Programa Disney Club

O emissor, a mensagem e uma pesquisa de audiência

Renata Boutin e Roberta Signorini*

 

 

 

Apresentação

Na sociedade moderna, a televisão assume um papel de suma importância dentro do contexto da educação infantil. O entretenimento se dá de uma maneira solitária, onde a criança passivamente absorve as mensagens que lhe são transmitidas, sendo elas positivas ou não.

Os programas infantis são os principais responsáveis por isso, já que transmitem as mensagens de acordo com suas próprias intenções, e não necessariamente correspondendo às vontades e necessidades do receptor.Essas mensagens influenciam na educação, formação do caráter e personalidade infantil, já que no período de um ano, as crianças em idade escolar passam duas vezes mais tempo assistindo televisão do que na sala de aula.

Dá-se o nome de programa infantil ao gênero que se dedica às crianças, transmitindo mensagens que este público seja capaz de assimilar e com uma linguagem acessível. Nesse gênero é fundamental que a imagem prenda a atenção das crianças por meio de cores, cenários, personagens e velocidade de movimentação.

A audiência infantil, porém, é um fenômeno complexo e tendencioso. É modificada por modismos, situação sócio-econômica, idade, sexo, estrutura familiar, entre outros...

Este trabalho de iniciação científica sobre o programa infantil Disney Club foi realizado em duas etapas.

A primeira parte, "O emissor e a mensagem", apresenta uma análise de conteúdo do programa, baseando-se em teóricos e profissionais cujas obras estejam ligadas ao tema.

Procurou-se compreender o que o programa objetiva apresentando este tipo de formato, linguagem (verbal e não verbal), cenário, desenhos animados, personagens, enfim, o porquê de ter sido concebido da maneira como se apresenta.

A segunda "Uma pesquisa de audiência", é um projeto prático de pesquisa em seus aspectos formais e empíricos onde se pretendia conhecer o que a audiência pensa sobre o tipo de mensagem enviada pelo emissor e qual a eficácia das estratégias do mesmo.

 

O emissor e a mensagem

 

O programa Disney Club começou em 1997 e durante a execução deste trabalho era exibido de segunda a sexta no SBT, aproximadamente das 18h às 19h15min e tinha como público alvo crianças de sete a quatorze anos, definidas pelas características do programa como "ultrajovens".Alcançava, em média, quatorze pontos no IBOPE.

Era uma produção da Disney exibida em vários países e adaptado pelo SBT aos moldes brasileiros.A Disney enviava um pacote de desenhos que deveriam ser exibidos e todo o desenvolvimento do programa foi uma produção nacional do SBT.

Eram cinco personagens (Ana Paula, Guelé, Frederico, Malu e Juca) e o programa se desenvolvia na casa de dois irmãos (Guelé e Juca) e no sótão de uma casa vizinha, abandonada há muito tempo.Pelo quarto de um deles era possível abrir uma passagem secreta que dava acesso ao CRUJ (Comitê Revolucionário UltraJovem), de onde faziam uma transmissão pirata de desenhos e se desenvolviam as histórias entre os personagens.

A idade deles variava de nove a dezesseis anos.Dois eram mais novos, e conseqüentemente tinham as idéias mais infantis. Discutiam em várias ocasiões o relacionamento com os pais e colocavam-se sempre como incompreendidos.Ganhavam assim, a simpatia dos mais novos. Os demais eram mais velhos e responsáveis e vivenciavam problemas típicos da adolescência.

Consideravam a palavra criança muito desgastada e por isso criaram um termo para substituí-la: "ultrajovens".Pregavam a luta pelos seus direitos e reivindicavam espaço no mundo adulto, buscando respeito por suas opiniões e vontades.O grande slogan era: "Sou ultrajovem e mereço respeito". Por se tratar de um "programa pirata", utilizavam disfarces durante sua apresentação, cada um tinha uma identidade secreta.

Eram ao total cinco blocos com durações variadas e dentro dos blocos os desenhos ocupam a maior parte do tempo.

A linguagem deles era simples e as falas, bastante repetitivas. Os personagens tinham gírias, como "tim-tim" (situação boa) ou "frango" (situação ruim) e características próprias, que determinavam sua identidade..Os figurinos eram extremamente coloridos e cheio de detalhes.

A obra seguia uma narrativa clássica: situação de partida, conflito e solução final. Estudou-se o episódio exibido no dia dezesseis de novembro de mil novecentos e noventa e nove, no qual a situação de partida é a chantagem que a personagem pipoca pratica contra sua irmã. O conflito se dá à medida que seus amigos não concordam com sua atitude e tentam mostrar o quanto ela está errada. No decorrer da história, o personagem Guelé descobre uma falta de Ana Paula e começa a chantageá-la. Convencida do erro que estava cometendo, compromete-se a não fazer isto novamente.A solução do conflito deveu-se à reprovação da atitude dela por parte dos seus amigos, que passaram a desconfiar dela e trata-la mal.Utilizaram também a carta de um telespectador que afirmava estar sofrendo chantagem por parte de seus colegas de escola.

Foi-se levantado um problema: Que tipo de mensagens o programa infantil Disney Club está passando para o público infantil?

A partir desse problema, definiu-se o objetivo global: analisar as mensagens do programa Disney Club dentro do contexto educacional. Foram determinados também os objetivos específicos: Analisar os formatos apresentados, a linguagem dos apresentadores, sua ideologia, a mensagem de cada apresentador e a mensagem dentro do contexto educacional.

Para se fazer a análise de conteúdo utilizou-se como metodologia o estruturalismo analítico-comparativo, já que um programa é composto por blocos e quis-se saber se eles se uniam numa intertotalidade.

Observou-se que o programa seguia uma linha central e que, quando necessário, utilizava-se de histórias que duravam uma semana para "segurar a audiência", ou seja, por ser transmitido em uma emissora comercial, dava-se grande valor à capacidade de retorno financeiro que ele podia proporcionar.A maioria das redes de televisão se preocupa mais em prender seus telespectadores que em transmitir uma mensagem carregada de conteúdo educacional.O programa em questão equilibrava bem ambos aspectos, já que seus personagens não faziam nenhuma alusão comercial e as propagandas veiculadas no break não tinham nenhum vínculo com o programa.

À vista dos dados observados, pôde-se analisar que é muito importante que o emissor saiba como transmitir sua mensagem de forma correta para atingir seu público de uma forma adequada com seu desenvolvimento psíquico e emocional.

As crianças possuem um forte mecanismo de transferência e identificação, como afirma Joan Ferrés. Por isso o programa dava um enfoque tão grande à caracterização dos personagens e à sua linguagem, que emite mensagens facilmente assimiladas pelo receptor. A fala cheia de gírias e com frases curtas e objetivas causavam reação imediata e prendiam a atenção de seus telespectadores.

Para que as mensagens sejam corretamente assimiladas, na profundidade de seu conteúdo, é necessário que a criança seja capaz de realizar uma leitura crítica sobre aquilo que está assistindo. A mensagem que é inserida em todos os episódios reforça a reciprocidade do respeito e a importância da comunicação e expressão das crianças.O estratagema do programa era mostrar às crianças situações conflituosas de pontos de vista contrários e deixar a cargo delas a opção pelo correto. Observou-se que este pode ser um recurso perigoso, pois de acordo com Nicole Sauvage e diversos profissionais cujas obras estão ligadas ao tema, uma criança de até doze anos não tem discernimento necessário para distinguir o certo do errado, não compreende com exatidão os temas, as idéias gerais, os encadeamentos, acabando por pender sempre para o lado que lhe favoreça.

 

 

 

 

 

 

Uma pesquisa de audiência

 

Para que se possa realizar uma pesquisa de audiência faz-se necessário dois estudos que são interligados: sobre o emissor e sobre o receptor.

Por meio de uma pesquisa de audiência é possível avaliar o que os telespectadores pensam sobre o programa, como assimilam suas mensagens e como interagem com ele.Assim, é possível "cruzar" as intenções do emissor com o resultado observado pela audiência, averiguar as influências do programa e até que ponto elas são absorvidas por seu público.

Foi-se levantado um problema: Qual a percepção do receptor sobre as mensagens verbais e não verbais e até que ponto a criança se identifica com os personagens?

A partir dele, foi sugerida a seguinte hipótese: "Os elementos do público não se expõem aos programas infantis num estado de nudez psicológica, pelo contrário, apresentam-se revestidos e protegidos por predisposições já existentes. Além disso, quanto mais expostas são as crianças a um determinado programa, mais seu interesse aumenta, e à medida que o interesse aumenta, mais as crianças são induzidas a criar uma relação de identificação e mimese com os personagens".

A pesquisa foi quantitativa e utilizou-se a documentação indireta por fontes secundárias, pois já se tinha como base a primeira parte do trabalho "O emissor e a mensagem".Foi necessária nova pesquisa bibliográfica.A observação foi do tipo direta intensiva com aplicação de formulários.

O universo observado é formado por crianças.A unidade de observação corresponde às crianças de sete a quatorze anos, de ambos os sexos, que assistiam ao programa infantil Disney Club.

As unidades amostrais foram as seguintes escolas: Colégio Adventista de Santo André, Avenida dos Andradas, 367, Vila Assunção, Santo André, SP; EEPG Prof. Otílio de Oliveira, rua Londrina, 350 e EEPSG Profa. Cynira Pires dos Santos, 134 – ambas situadas em Rudge Ramos, São Bernardo do Campo, SP.

A amostragem foi não probabilística por acessibilidade e por cotas.Foram aplicados cem formulários, divididos em quatro faixas etárias: sete a oito anos, nove a dez anos, onze a doze anos e treze a quatorze anos. Dentro de cada faixa etária, metade dos formulários deveria ser preenchido por cada sexo.Dentro de cada sexo, metade das crianças deveriam estudar em escola pública e a outra metade em escola privada. O objetivo disso era ter uma visão total das diferenças de opinião existentes entre as crianças de diferentes idades, sexos e níveis de ensino.

Os formulários tinham vinte e quatro perguntas de múltipla escolha, que abordavam questões relativas às impressões que as crianças tem do conjunto total da obra. Os dados foram tabulados e as noventa e seis tabelas foram analisadas e comentadas uma a uma (uma tabela para cada faixa etária).

Pôde-se observar em relação à audiência que os percentuais tendem a decair conforme a faixa etária. A quantidade de crianças que assistia o programa diariamente era de 54% entre os de sete a oito anos; sofre uma variação pequena para 56% entre as de nove a dez; cai para 33% entre as de onze a doze anos e para 18,5% entre as de treze a quatorze anos. O oposto ocorre em relação às crianças que assistem ao programa raramente. A porcentagem que é de 8,3% entre as de sete a oito anos, sobe para 12% entre as de nove a dez anos, 23% entre as de onze a doze anos e 40,7% entre as de treze a quatorze anos. Dessa forma, a audiência diária se concentrava, principalmente, entre as crianças de sete a dez anos, pressupõem-se que isso ocorria por causa da identificação com os personagens mais novos do programa.

O programa era bem aceito entre os telespectadores, principalmente, entre os de sete a oito anos.Não houve nenhuma alteração brusca nos dados coletados, o que mostra que o programa conseguia atingir o público alvo.Apenas 4% das crianças de nove a dez anos afirmaram que o programa era chato, e somente a partir de nove a dez anos que as crianças se manifestaram dizendo que o programa era pouco legal. Esse percentual oscilou entre 12 e 22%.

As tabelas sobre desenhos induzem à suposição de que a boa aceitação que o programa tinha com as crianças de todas as faixas etárias e a freqüência com a qual assistiam ao programa, era diretamente proporcional à aceitação dos desenhos Disney apresentados, visto que a cada dia eram exibidos desenhos novos, de acordo com o pacote que era enviado pela Disney.As faixas etárias que disseram não gostar ou gostar pouco dos desenhos, se manifestaram em outras questões, afirmando achar o programa chato. As crianças de nove a dez anos que disseram que o programa é chato também se manifestaram nessa questão dizendo que não gostavam dos desenhos.

Os alunos se dividiram em grupos distintos com opiniões diversificadas conforme faixa etária e não seguiram um padrão para respostas.Observou-se que as histórias não agradam tanto quanto os desenhos, o que reforça a suposição da análise feita no parágrafo anterior.As histórias agradam mais às crianças mais novas, o que também reforça a pressuposição de que as crianças mais novas gostem do programa por se identificar com os personagens.

As tabelas observadas indicam que, a maioria das crianças que gostava da leitura de cartas de telespectadores realizada durante o programa, são de escola privada. Em todas as faixas etárias observa-se um certo desinteresse pela leitura de cartas por parte das crianças de escola pública.Pressupõem-se que isso não influi na audiência, e que ela seja gerada por outro componente do programa.

Os apresentadores de programas infantis se transformam em intermediários entre a realidade e o imaginário.Apresentam promessas possíveis e estórias fantásticas.Observou-se que a aceitação dos personagens varia conforme a idade, os personagens tendem a ser unanimidades entre os mais novos, e entre os mais velhos surgiram algumas divergências nessa questão. Isso reforça a idéia da identificação dos mais novos (sete a dez anos) com os personagens do programa. "Há muito tempo se sabe que o fator realidade – a relação percebida entre a televisão e o mundo real – é variável, dependendo da idade, da experiência e das condições sociais".

Percebeu-se que as opiniões sobre o cenário, roupas e acessórios oscilam entre a faixa etária, mas não sofrem mudanças muito radicais em relação a tendência de deixar de ser unanimidade conforme o aumento da faixa etária dos telespectadores.

Isso sugere que esses componentes não agradem muito às crianças mais velhas e que suas atenções sejam voltadas para outros elementos do programa. A porcentagem de crianças que não souberam opinar sobre cenário ou figurino pode indicar que suas atenções estejam voltadas para as cenas rápidas que o programa apresenta.

Em relação às reivindicações, pôde-se constatar que elas costumam concordar, mas a tendência é que as mais novas concordem mais.O mesmo se aplica às questões relacionadas ao comportamento familiar.

A identificação com os personagens vai perdendo a força conforme aumenta a faixa etária. "A criança só é capaz de distinguir entre realidade e fantasia numa idade avançada. Para as crianças uma história possui vida própria. Inclusive quando admitem a existência de simulação em alguma história, as incorporam de alguma forma à realidade".Quanto aos direitos "ultrajovens" a faixa etária que mais demonstrou interesse foi a compreendida entre sete e dez anos.

A linguagem agradava todas as crianças, porém elas não a adotaram no seu vocabulário cotidiano.

De maneira geral, nenhuma faixa etária demonstra interesse em imitar os personagens. As crianças de escola pública tendem a ver os personagens como reais, bem como as crianças mais novas.Tendem também a gostar mais de imita-los.

As crianças em sua maioria não se sentem parecidas com eles e apenas as mais novas demonstram interesse em ser como os personagens.

À vista dos dados analisar, pôde-se observar que a hipótese responde ao problema. Comprovou-se que, de fato, a simples exposição ao programa não é suficiente para que se produza nas crianças uma relação de identificação e imitação. Idade, sexo, e classe social influem nessa relação.

Comprovou-se também que apesar de gostar da linguagem utilizada e entende-las, ela não faz parte do cotidiano das crianças.

A segunda parte da hipótese, porém só diz respeito às crianças até dez anos, que, quanto mais expostas, mais buscam uma relação de identidade e transferência com os personagens e o programa.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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*Universidade Metodista de São Paulo

Faculdade de Comunicação Multimídia – Rádio e Tv

Orientador: Prof. José Antônio Daniello