O processo de construção da notícia no jornalismo de televisão: a seleção do fato e a organização visual da reportagem
Marilene Mattos
1 - A seleção do fato: critérios de noticiabilidade
Para a maioria das pessoas, os telejornais são a primeira informação que elas recebem do mundo que as cerca: planos econômicos, decisões políticas, o cotidiano do homem comum, entre outras coisas. Dados de 1995 mostram que apenas os telejornais da noite (Globo, SBT, Record, Bandeirantes e CNT) atingiam, juntos, uma audiência de 50 milhões de pessoas. (Bucci, 1997, p. 11)
Em setembro de 1997 a revista Isto É encomendou ao Ibope uma pesquisa sobre os índices de audiência dos noticiários brasileiros. A pesquisa revelou que a maior parte da audiência era mantida pelos noticiários da Globo, 52,6% dos telespectadores, o SBT ocupava o segundo lugar com 18,2% , a Bandeirantes com 5,9%, a Record estava em quarto lugar com 5,5% da audiência, a Manchete 3,9% e por último a CNT com 1,6% da audiência.
Podemos ver que os telejornais têm um espaço significativo na vida das pessoas. Para Eugênio Bucci, o espaço público no Brasil começa e termina nos limites postos pela televisão. O que não é noticiado na televisão não faz parte do espaço público. Neste sentido a vida privada brasileira é mantida pelo que a TV oferece.
Na comunicação televisual devemos considerar que a relação entre emissor e receptor é determinada pela audiência. De acordo com o tipo de audiência é regulamentada a linguagem da TV, ou seja, a comunicação empregada está relacionada com a língua da comunidade, considerada pela Teoria da Linguagem, um conjunto de elementos com relações determinadas.
Para o linguísta Roman Jakobson a combinação e a seleção são arranjos que formam o signo lingüístico, possibilitando que a linguagem seja vista como uma estrutura, uma combinatória entre seleção (eixo paradigma) e combinação (eixo sintagma).
Bucci não acredita que uma emissora de televisão impõe instrumentos para controlar a audiência.
"Ela não determina o que cada um vai fazer ou vai pensar, não há um cérebro maquiavélico por trás de cada emissora procurando doutrinar a massa acrítica (...); a massa de telespectadores não obedece irrefletidamente o que vê na tela; o que acontece é que a televisão se apresenta com mecanismos necessários para integrar expectativas diversas e dispersas, os desejos e as insatisfações difusas, conseguem incorporar novidades que se apresentem originalmente fora do espaço que ela ocupa e, em sua dinâmica, vai dando contornos do grande conjunto, com um tratamento universalizante das tensões" (Bucci, 1997, p. 11).
Para Bucci, a audiência não é imposta, mas as emissoras buscam obter um maior número de pontos registrados pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope), com telejornais mais dramáticos do que factuais, com lições de moral, mocinhos e bandidos, o bem contra o mal. Com isso eles se tornam incapazes de explicar os temas mais complexos.
Uma pesquisa feita pelo Jornal do Brasil em março de 1969 mostra o perfil do público de televisão no Rio de Janeiro. Os números mostram que os apelos utilizados pela televisão brasileira não surgiram nestas últimas décadas, quando vários pesquisados estão preocupados com a forma pela qual a notícia chega a milhões de telespectadores. Na época que foi feita a pesquisa, o Jornal do Brasil chegou aos seguintes resultados: os apelos utilizados pela tevê carioca eram os valores tradicionais relativos a infância e a violência, que respectivamente, detinham 47,73% e 43,77% de audiência.
Johan Galtung e Mari Holboe Ruge em um estudo sobre a noticiabilidade enumeraram 12 fatores para que um fato se transforme em notícia. Eles concluíram que o jornalista é um simples selecionar de informações, mas quando assume o papel de informante precisa estabelecer critérios para organizar o mundo à sua volta. É o que fazem os editores quando determinam a pauta e a ordem das matérias que vão ao ar no telejornal. Esse processo de noticiabilidade e construção de uma notícia é constantemente negociado entre os profissionais de redação - editores, produtores, pauteiros e repórteres. (Traquina, 1993, p. 59)
"... a noticiabilidade corresponde ao conjunto de critérios, operações e instrumentos com os quais os órgãos de informação enfrentam a tarefa de escolher, quotidianamente, de entre um número imprevisível e indefinido de factos, uma quantidade finita e tendencialmente estável de notícias" (Wolf, 1995, p. 168).
Mas quais acontecimentos são considerados suficientemente relevantes e interessantes para transformar-se em notícia? Wolf explica que na seleção dos acontecimentos o jornalista utiliza os valores/notícia, os quais o autor define como regras práticas intimamente ligadas às rotinas produtivas e aos valores profissionais. Wolf acredita que os valores/notícia são utilizados para rotinizar as tarefas, de forma que elas passem a ser exeqüíveis e geríveis.
"Os critérios devem ser fácil e rapidamente aplicáveis, de forma que as escolhas possam ser feitas sem demasiada reflexão. Para além disso, a simplicidade do raciocínio ajuda os jornalistas a evitarem incertezas excessivas quanto ao fato de terem ou não efetuado a escolha apropriada. Por outro lado os critérios devem ser flexíveis para poderem adaptar-se à infinita variedade de acontecimentos disponíveis; além disso, devem ser relacionáveis e comparáveis, dado que a oportunidade de uma notícia depende sempre das outras notícias igualmente disponíveis" (Wolf, 1985, p. 174).
Atualmente o que percebemos nos telejornais é que alguns acontecimentos destacados como notícia não seguem os critérios da noticiabilidade, mesmo assim são selecionados pelo interesse público que despertam, pela carga emocional ou pelo aspecto hilariante. Desta forma a notícia é narrada como uma história que é revelada com uma certa interpretação e até dramatização. Ao contrário das notícias que chegam ao telespectador unicamente pelo seu grau de noticiabilidade, onde a objetividade e imparcialidade do texto jornalístico são muito cobradas.
As notícias estruturadas com base na carga emocional, geralmente, são referentes a acontecimentos que representam uma ruptura ou transgressão social. No relato destas notícias há uma certa recriação simbólica do real.
Adriano Duarte Rodrigues, ao analisar o acontecimento, diz que a mídia produz ao mesmo tempo um novo acontecimento, que ele chama de meta acontecimento. Os meta-acontecimentos são regidos pelas regras do mundo simbólico, o mundo da enunciação, articulando as instâncias enunciativas do sujeito - repórter, objeto - fato, agentes e atores.
"O meta-acontecimento não é, por isso, regido pelas regras do mundo natural os acidentes da natureza que atingem os corpos físicos cósmicos, como o cataclismos ou as inundações, nem os corpos individuais, como o nascimento e a morte, nem os corpos institucionais, das religiões, dos exércitos, das famílias, da produção, dos Estados. É regido pelas regras do mundo simbólico, o mundo da enunciação" (Rodrigues, 1993, p. 30).
Para Rodrigues os meta-acontecimentos discursivos são parte do real narrado sob o ponto de vista do enunciador, com isso pressupõem a existência de juízos de valor. Os valores de credibilidade, de sinceridade, de clareza, de justeza, de coerência e correção, de satisfação e aceitação são inerentes ao discurso, integram o mundo da enunciação e são dele inseparáveis. Desta forma as notícias são construídas a partir de acontecimentos dispersos, variando entre a realidade e o simbólico e os fatos são registrados sob vários aspectos da notabilidade, como excesso, falha, inversão etc.
Rodrigues define o discurso do acontecimento como anti-história, uma mera representação dos fatos interpretados pelo sujeito - repórter, o que possibilita uma aproximação entre ficção e realidade. A fusão de ficção e realidade foi umas das alternativas encontradas pelas tevês comerciais para atrair a atenção e o interesse da audiência, tanto nas narrativas ficcionais quanto no jornalismo de televisão.
Para além do compromisso ético assumido pelos jornalistas durante sua formação, para os diretores de emissoras de TV o objetivo primordial dos programas jornalísticos, inclusive telejornais, seria atingir a satisfação do telespectador de forma que ele se sinta atraído e fiel aquela programação. Nos telejornais a atenção do telespectador começa a ser despertada nas chamadas durante a programação e na forma como o noticiário é apresentado. Na abertura de cada edição pequenas manchetes são anunciadas, de forma que consigam despertar o interesse de quem está em frente a TV. As notícias são ordenadas e narradas para causar impacto e ao mesmo tempo distrair o telespectador. "Mal é transmitida uma informação, vem outra, completamente diferente, distraindo o receptor [...], além de que o programa em si deve conter elementos para cativar e manter a audiência" (Cunha, 1990, p.19).
Assim como Rodrigues, Cunha também se preocupa com a forma como os telejornais alteram a realidade dos acontecimentos, seja por meio de recursos técnicos ou ideológicos, submetendo os programas a estilos que atendam aos interesses dos proprietários das emissoras e da audiência, padronizando pensamentos e mutilando a realidade.
Os telejornais também são vistos como produtos de ficção na medida em que usam os artifícios das emoções, como alegria e tristeza, para obter um telespectador mais seduzido, assim como fazem as telenovelas. A capacidade reflexiva do público, muitas vezes, é substituída pelo relacionamento afetivo, onde o mais importante é conquistar a atenção do telespectador.
Kientz classifica como característica dominante o conflito. "O conflito é o núcleo da notícia". Ele se baseia em uma análise de títulos e manchetes de primeira página de dez diários franceses. Neste estudo foi constatado que 80% dos títulos estavam caracterizados pelo teor conflitual. Foram encontradas palavras como: guerra, ataque, disputa, combate, luta, escalada, litígio, vitória, derrota, protesto, contestação, revolução, golpe, greve, agressão, defesa, acusação etc.
"O pão, o leite e o jornal são vizinhos diários na cesta das provisões matinais. Ainda de madrugada, quando ele ainda dorme, o jornal é levado a domicílio para que, ao despertar, possa ingerir, simultaneamente com o desjejum, sua ração cotidiana de conflitos". (Kientz, 1973, p. 142).
Apesar de Kientz relatar que o conflito existe tanto na imprensa popular quanto na de prestígio, ele diferencia a forma de interesse dos leitores destes diários. O leitor fiel à imprensa de prestígio procura o conflito na oratória, no plano das ideologias e das opiniões. O público tem senso crítico, é capaz de refletir as informações que está recebendo. Na imprensa popular o público prefere os golpes diretos, sendo influenciado pelas emoções, e dando espaço as notícias policiais, esportivas e informações sobre acidentes. São leitores que "gostam que os antagonistas tenham um nome, um estado civil, um rosto, daí a importância, neste tipo de imprensa, do fait-divers, o qual correspondem perfeitamente a essas exigências". (Kientz, 1973, p. 143)
O termo fait-divers não tem tradução satisfatória para o português. Sodré define a expressão francesa como relato de um fato aberrante ou anômalo. Ele cita como exemplo duas notícias, a primeira tem como manchete "médico estrangula paciente com estetoscópio". Sodré explica que a anomalia está no absurdo da causa, enquanto a segunda notícia tem a seguinte chamada: "comerciante assaltado quarenta vezes", indica repetição extraordinária de um acontecimento. (Sodré, 1996, p. 134)
Notícias do tipo fait-divers são comuns na imprensa sensacionalista, por garantir audiência. Elas satisfazem a curiosidade do público; possuem linguagem de fácil compreensão - na medida em que não exigem reflexões, interpretações e nem associações de fatos; e também possibilitam o indivíduo a realizar imaginariamente os seus desejos e extravasar as suas frustrações. "O fait-divers espreita sempre a notícia, na medida em que esta é suscetível de moldagem do imaginário". (Sodré, 1996, p. 135)
No telejornalismo, o uso de notícias fait-divers, é facilitado pela emoção que a tevê permite passar aos telespectadores. Até as notícias aparentemente distantes, como as informações internacionais, podem ser atrativas se relatarem tragédias. A queda de um avião em um país distante é de interesse do público quando é grande o número de mortos. O serviço de previsão de meteorologia também pode despertar curiosidade quando vem acompanhado de informações sobre enchentes, desabrigados e mortes, ou até mesmo, quando apenas traz previsões de um inverno com temperaturas baixíssimas.
Para Kientz, o valor jornalístico de uma informação, está intimamente correlacionado com o seu teor conflitual. Uma outra análise feita por Kientz é quanto ao grau de personalização dos conflitos. Para ele o nível sociocultural do veículo de comunicação de massa determina essa personalização. "A medida em que se desce na escala sociocultural da imprensa, aumenta o grau de personalização dos conflitos."
A imprensa popular tem preferência pela notícia fait-divers, porque ela possibilita a participação afetiva do público, levando em consideração o fraco nível sociocultural deste leitor, ouvinte ou telespectador. Kientz fala que para interessar e comover é indispensável dar um rosto humano à informação.
"Aquele jornalista que, quando do terremoto de Agadir, apanhou na rua uma garotinha marroquina e, depois de tê-la previamente esbofeteado, a fotografou lavada em lágrimas entre os escombros, conhecia perfeitamente o seu ofício. Assim foi que milhões de leitores se comoveram com a desgraça de Agadir, diante das lágrimas daquela que se tornou a pequena órfã chorando os seus, tragados e soterrados nos escombros da catástrofe". (Kientz, 1973, p. 147)
O uso das emoções pelos mass media foi explicado pelo francês Edgar Morin. Ele dizia que no começo do século XX o imaginário prevalecia na cultura de massa, conquistando um lugar real nos domínios que antes pareciam ser apenas da informação. A imprensa periódica adquire características romanesca (sentimental, aventurosa ou policial). "Fazendo vedete de tudo que pode ser comovente, sensacional, excepcional" (Morin, 1997, p. 104).
Para Edgar Morin, até as campanhas políticas são transformadas em espetáculos televisivos, onde prevalecem as qualidades humanas do candidato e não a sua competência para executar as funções exigidas pelo cargo ao qual almeja. " [...] a batalha eleitoral toma cada vez mais a forma de uma competição televisiva, onde as qualidades simpáticas do candidato, seu rosto, o sorriso e a beleza de sua mulher, se tornam triunfos políticos" (Morin, 1997, p.104). O candidato é mais uma das "vedetes" criadas pela televisão em busca de espetáculo, e consequentemente, de audiência.
Na mídia, a mensagem que chega ao receptor é selecionada pelo emissor de acordo com um repertório de signos. Na descrição feita por Charles S. Peirce, signo é algo que está no lugar de outra coisa. Ele possibilita a abreviação, a codificação. "O signo é sempre mais breve do que a coisa à qual remete". Esta afirmação feita pelo professor de Filosofia, Daniel Bougnoux, nos faz perceber que a informação passada pela mídia, nada mais é do que um conjunto de signos, organizado através de códigos, possibilitando a construção de infinitas representações, que são interpretadas de acordo com a cultura de uma sociedade. Desta forma a informação pode ser vista como uma abreviação do real.
Na representação do real a televisão busca uma comunicação entre as linguagens, relacionando imagem, áudio e gestos, através dos signos, sendo que são eles que modelizam o mundo de diversas formas. Com o avanço da tecnologia não podemos ignorar a interferência da máquina nessa inter-relação entre os sistemas de signos.
2 - Organização visual: a imagem como instrumento do espetáculo
Na última década a "especularização" da notícia passou a ser um dos principais temas em discussão em torno da televisão. Não que o rádio e os jornais impressos estejam noticiando o factual sem dramatizar, mas é na televisão que esta dramatização da realidade se torna mais real devido à imagem. É a TV que coloca o espectador em contato com o mundo concreto das imagens, criando estados psíquicos. "A imagem já se impõe construída ao receptor, deixando pouco à imaginação." (Sodré, 1992, p. 58)
Para Sodré, apesar de o espectador se deparar com a imagem construída, a televisão tem o poder de dispersar a atenção. "A continuidade das imagens de televisão, análogas de certo modo ao fluxo da consciência humana, arrebata visualmente o espectador, o que leva a pensar que na verdade, as pessoas vêem tevê, antes de verem o que está na tevê." Para ele, o universo das imagens (iconosfera) cria uma falsa sensação de que a imagem predomina sobre a consciência, fazendo apelo aos sentidos, mas termina enfraquecendo-os.
As imagens transmitidas pela TV não são uma reprodução fiel da realidade, mas um resultado de vários pontos de vista. "Desta forma o veículo impõe ao receptador a sua maneira especialíssima de ver o real". Sodré também subdivide os formadores de imagem em:
a) realizador - aquele que controla e seleciona as imagens em um monitor;
b) produtor - efetua cortes arbitrários;
c) cameraman - seleciona os ângulos de filmagem.
A imagem construída sob vários pontos de vista, o processo de edição ou montagem e a dramatização facilitam a "especularização" da notícia, ao mesmo tempo em que a torna mais interessante.
"No Rio de Janeiro, já morreu praticamente o velho carnaval de rua, onde o indivíduo se divertia sem esquemas, nem injunções turísticas, mas todo ano pode se ver nas ruas uns poucos remanescentes dos velhos tempos. Na cobertura da tevê, porém, tem-se uma impressão de multidão e de animação que, na realidade, não existem. É que o cameraman seleciona as imagens mais atraentes, o repórter dramatiza o que se passa frente a seus olhos, e os efeitos de continuidade operados através dos monitores ajuda a criar o resto da ilusão" (Sodré, 1992, p. 62).
Para Jacques Aumont (1999, p.78) a relação da imagem com o real segue a tricotomia apresentada por Rudof Arnheim. A imagem possui três valores:
A imagem também pode ser analisada de acordo com as funções. Aumont diz que as imagens mantém relações pelos modos simbólicos, epistêmicos ou estéticos. Os modos epistêmico e estético são os mais utilizados pela mídia televisiva.
No epistêmico a imagem traz informações visuais sobre o mundo, que pode ser conhecido através dela. Neste caso a função da imagem é de conhecimento. No modelo estético a função da imagem é agradar ao espectador oferecendo sensações específicas.
A partir da década de sessenta, as imagens vistas pelos espectadores, através da tela de televisão, deixaram de ser apenas aquelas captadas por câmeras eletrônicas. As imagens animadas por computadores começaram a ocupar espaço nas televisões, principalmente, nos telejornais. A computação gráfica mostrou ser um recurso eficaz na remontagem de objetos ou de acontecimentos do cotidiano, com o intuito de tornar aparente suas estruturas como também suas causas e efeitos. Essas remontagens, que fazem uso da linguagem numérica na criação de imagens através de animação gráfica, passaram a ganhar destaque nos telejornais nos casos em que a equipe de reportagem não estava presente no momento em que o fato aconteceu, ou até mesmo quando desempenham um papel mais didático, como por exemplo, nas reportagens esportivas e científicas.
Quando usada em reportagens científicas, principalmente em matérias de saúde, a animação gráfica permite que o espectador tenha noção do funcionamento interno do corpo humano. Na área esportiva, o uso do computador também foi de grande contribuição para a mídia. Hoje é possível, ainda durante a narração de um jogo de futebol, ver claramente como aconteceu um determinado momento da partida.
As imagens animadas por computador limpam a cena deixando apenas os elementos essenciais e, desta forma, permitem que o espectador veja com precisão, através da remontagem, momentos de um fato. Enquanto na imagem eletrônica ele é mostrado dentro de um contexto. Diante disso, as cenas que deixaram dúvidas quando mostradas através de imagens eletrônicas, são remontadas e apresentadas através de imagens virtuais.
Nas reportagens policiais as imagens animadas por computadores também são de grande contribuição. Cenas de crimes são remontadas, possibilitando a reconstrução de acontecimentos do mundo natural, uma representação do cotidiano.
Sabemos que a notícia, em qualquer veículo de comunicação, não é mais o fato, e sim um recorte que é dado a ele. Mas temos consciência que para a maioria da população, essas diferenças não existem. A nossa preocupação torna-se ainda maior quando a "realidade" simulada pela mídia se aproxima do cotidiano através de elementos da ficção.
Atualmente, algumas emissoras de televisão vêm investindo em remontagem de fatos do dia a dia sem usar o computador. A animação feita pela máquina está sendo substituída por um tipo de ficção que nos faz lembrar o cinema. Pessoas não envolvidas no episódio são contratadas para encenações que possibilitem o espectador, de certa forma, a presenciar assassinatos, assaltos, enfim, cenas não gravadas por câmeras eletrônicas no instante do fato.
A Rede Globo de Televisão, no momento, é a emissora que mais utiliza atores na reconstrução de fatos do mundo natural. A emissora categoriza as formas de remontagem do cotidiano em três tipos: simulação, versão e reconstituição. As simulações são baseadas em apenas uma hipótese e sem dados concretos de como aconteceu o episódio na realidade. As cenas exibidas são imaginadas pela emissora. O uso de simulações é mais freqüente no programa Linha Direta. Já a versão é para os casos de histórias conflitantes, em que prevalecem mais de uma hipótese, como as cenas exibidas sobre o assassinato de PC Farias. Na época a Rede Globo mostrou como aconteceu o crime em várias versões, todas com presença de atores. Enquanto nos casos em que as informações são incontestáveis, a denominação dada é reconstituição. Esse tipo de remontagem vem sendo mais usado nos telejornais exibidos pela emissora.
Nas reconstituições exibidas pelo Jornal Nacional, a emissora determina que os atores não tenham o rosto identificado, para que o espectador saiba que aquelas pessoas não estão envolvidas no episódio, que é apenas uma encenação.
Apesar dos cuidados técnicos para distinguir as imagens captadas a partir de uma reconstituição daquelas feitas sem necessidade de encenação, a reconstituição continua sendo atraente para o espectador enquanto espetáculo. Ele não tem preocupação em saber que tipo de "realidade" há atrás da encenação, se os gestos feitos pelos atores correspondem a ação dos envolvidos no verdadeiro fato, e além disso, a notícia mostrada pela televisão simula um fato, mas não corresponde ao tempo real de sua duração. O ritmo da televisão faz com que o veículo concentre as informações em um tempo curto, de aproximadamente um minuto e vinte segundos. Mas diante da tela o espectador não tem essas preocupações. Ele é capaz de contar, com detalhes, como aconteceu um assassinato por que viu uma reconstituição.
Desta forma podemos observar a manipulação do acontecimento no processo de criação da notícia, desde a percepção e seleção dos fatos que devem ser noticiados à escolha dos recursos "artísticos" usados para montagem da reportagem.
3 - Considerações finais
Na televisão, como em qualquer outro veículo de comunicação de massa, o jornalista busca a factualidade. Mas, na verdade, o que ele consegue tornar público é uma idéia de factualidade, embora muitas vezes, o tempo entre o acontecimento e a exibição da notícia não seja percebido pelo receptor.
Desde a seleção do fato à organização visual o jornalista atua como um mediador. Ele reproduz a realidade cotidiana imprimindo suas interferências neste processo, apesar da busca pela imparcialidade.
" A notícia desenvolve-se como leitura e tradução do mundo, condição denominada de atividade interpretante, segundo a semiótica peirceana. Sendo tradução, recria o mundo, dando-lhe formato narrativo e hierarquizado." (Henn, 1996, p.111)
Além da interferência do jornalista na seleção e compreensão (leitura) do acontecimento, o processo de criação da notícia em televisão sobre influência da imagem. Não podemos esquecer que a imagem captada através de câmeras eletrônicas é o olhar do repórter cinematográfico diante de um fato. Ele também é um mediador de informações, com isso, um produtor de signos.
A partir da década de sessenta mais um profissional da mídia televisiva passa a atuar no processo de criação da reportagem. É o profissional de computação gráfica. Ele passou, também, a atua como mediador no momento em que a televisão começou a usar imagens digitalizadas na ausência ou até mesmo em substituição de imagens eletrônicas.
Para o artista plástico, Rogério Luz, a imagem digital pode ser uma ameaça a democratização e a formação da consciência humana. O uso de simulações, reconstituições e versões de fatos com a colaboração de artistas/seres humanos torna-se uma preocupação ainda maior. Ao contrário do cinema, nos telejornais o telespectador busca a realidade, mesmo não sabendo, até mesmo por falta de conhecimentos técnicos e conceituais do jornalismo, que aquela realidade mostrada na tela pode ser uma simples versão e as vezes distante do real.
A notícia que chega ao telespectador é na verdade um resultado de um processo de criação, no qual os autores são os diversos jornalistas que atuam no processo de construção da notícia. São profissionais que atuam na elaboração da pauta, na reportagem externa, na organização visual da notícia até chegar ao editor que seleciona o que deve ser passado para a esfera pública.
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