Uma perspectiva semiótica do
anúncio publicitário de lingerie da Duloren

Laura Jane Vidal Bezerra

Professora do curso de Comunicação Social
Relações Públicas da Universidade Federal do Amazonas (UA)
Mestre em Ciências Ambientais pela UA.

A criação e veiculação de qualquer peça publicitária é um processo que não se faz por acaso. Sua elaboração e divulgação carecem de um planejamento adequado, requerendo cuidados básicos no que se refere à criatividade e noção clara do que e quem se pretende atingir. Deve-se atentar, ainda, para aspectos como o produto ou serviço que é apresentado, a linguagem a ser utilizada que, imprescindivelmente, deve adequar-se ao público ao qual se destina, falando diretamente a esse público.

Embora a Publicidade ou Propaganda possua uma conotação diretamente ligada à atividade comercial, encontra-se enraizada nos procedimentos de comunicação, o que a torna, se estudada dentro desta visão, um importante fator de compreensão do processo de comunicação social.

É a partir desta perspectiva que o anúncio publicitário da Duloren é aqui analisado, procurando ultrapassar sua visão para além de um arranjo eficaz de palavras, imagens, sons e cores destinados a promover a venda de produtos e serviços, mas como um fato social total, evento social complexo.” (Bardin apud Campos, 1987:27), procurando detectar sua ação sígnica. O “olhar” semiótico foi o instrumento utilizado para o desenvolvimento dessa análise ou leitura.

Publicidade: conceitos e processo

O campo de abrangência da comunicação é muito vasto. Impossível concebê-lo como um fenômeno isolado. Bem ao contrário, o termo comunicação envolve uma esfera ampla, em constante desenvolvimento e envolvimento com outras áreas. Dentre essas áreas, destaca-se aqui, para efeito de realização deste trabalho, a Publicidade e a Semiótica.

Convém, num primeiro momento conceituar o termo Publicidade e isto remete a um outro conceito: o de Propaganda, que geralmente surge ligado ao termo Publicidade.

A variedade de conceitos referentes aos dois termos é extensa. Há que se mencionar ainda a divergência entre vários autores que os utilizam como sinônimos e aqueles que os diferenciam.

Serão expostas aqui várias posições conceituais relativas aos dois vocábulos e, ao final, será apresentado um conceito próprio para os termos citados, conceito esse que representa a idéia norteadora deste estudo.

Sant’Anna (1981:81) enfatiza a utilização dos dois vocábulos como sinônimos, porém os distingue, defendendo a idéia de que “não significam rigorosamente a mesma coisa.”. Para ele, “a Publicidade é um meio de tornar conhecido um produto, um serviço, uma firma.” (idem:82) e isso remete ao que diz Leduc (1980:23) referindo-se porém à propaganda, (...) Destarte, a função essencial da Propaganda é fazer conhecer um produto para que ele seja procurado.”.

Malanga (1976) atribui como diferenças entre os dois termos o seguinte: a Propaganda é ideológica, grátis, dirigida ao indivíduo e apela para os sentimentos morais, cívicos, religiosos e políticos, enquanto a Publicidade seria, dentro do seu ponto de vista, comercial, paga pelo consumidor no ato da compra/aquisição do produto ou serviço, dirigida à massa e fazendo apelos ao bem-estar, prazer etc.

A Associação dos Anunciantes dos Estados Unidos (apud Leduc, idem) estabelece a distinção entre os dois vocábulos tomando por base o fato de que a Propaganda é eminentemente comercial, estimulando o consumo de determinada marca, caracterizada pela presença ostensiva e claramente definida do anunciante. Ainda de acordo com a Associação de Anunciantes dos Estados Unidos (idem), a Publicidade teria um objetivo mais voltado a campanhas educativas de orientação e esclarecimento. Ambos os termos constituem, num primeiro momento, “todo o esforço de comunicação...” (idem) e, como tal utilizam-se dos mesmos instrumentos ou “veículos de divulgação: jornais, revistas, rádio, televisão, impressos, etc.” (Malanga, op. sit.:12), sendo este o fato responsável pela confusão entre os mesmos.

Para Malanga (idem, p.10), Propaganda é a “propagação de idéias, mas sem finalidade comercial” e constitui-se de “atividades que tendem a influenciar o homem, com objetivo religioso, político ou cívico. A Publicidade, que é uma decorrência do conceito de propaganda, é também persuasiva, mas com objetivo bem caracterizado, isto é, comercial.”.

Com base em tais definições, pode-se deduzir que a distinção entre Publicidade e Propaganda estaria não só no “produto” que oferecem como também na finalidade ou objetivo, sendo o primeiro puramente comercial e o segundo, ideológico, ou vice-versa.

O fato de ter sido feita uma exposição dessas definições e divergências em torno dos dois termos não compromete, em nenhum momento, com nenhuma delas, a idéia que norteia este estudo. Tal exposição foi feita com o intuito de situar teoricamente os vocábulos aqui abordados.

Para efeito de operacionalizar este trabalho, será adotado daqui para frente um conceito e posição próprios relativos aos dois termos, os quais serão representados pelas iniciais PP e abordados ou vistos como sinônimos. Para isso, toma-se por base, inicialmente, a definição de produto feita por Kotler (1981:224), para o qual “um produto é qualquer coisa que pode ser oferecida a um mercado para aquisição ou consumo: inclui objetos físicos, serviços, personalidades, lugares, organizações e idéias.”.

Partindo-se então da possibilidade de definir como produto tanto um objeto físico, tangível, quanto uma idéia abstrata, torna-se desnecessário fazer a distinção entre Publicidade e Propaganda.

PP seria, então, todo o esforço de comunicação no sentido de fazer conhecer um determinado produto para que ele seja procurado. “O resultado final e ideal desse processo é a consolidação de uma atitude de preferência, uma disposição que, logicamente, deve favorecer a repetição de compra.” (Ribeiro et al, 1989:64), aquisição, uso ou adesão.

O processo publicitário

“O papel da propaganda é vender. Vender um produto, uma imagem, uma idéia, uma filosofia ou um hábito.”. (Ribeiro, idem:120). Porém, não é tão simples e óbvio quanto parece. Uma peça publicitária eficiente deve atingir todos os objetivos de comunicação que inspiraram sua criação e, nesse sentido, existem atributos e elementos das peças publicitárias que são indispensáveis ao funcionamento da comunicação.

A peça publicitária deve captar a atenção do consumidor, causando um impacto capaz de fazê-lo lembra-se, se não de todo o conteúdo da mensagem, pelo menos de alguns de seus elementos mais importantes.

É preciso, também, que a mensagem seja capaz de provocar ou estimular o interesse do consumidor, despertando nele o motivo e o desejo para aquisição do produto. Isto, porém, não basta. É preciso criar no consumidor a convicção de que o produto ou serviço apresentado é justamente aquilo que ele deseja e que pode satisfazê-lo em quantidade e qualidade superiores aos oferecidos pelos concorrentes.

O último estágio, nesse processo, consiste em concretizar tudo isso numa ação, mais especificamente na ação de compra e aquisição do produto ou serviço.

Aliados aos atributos ou qualidades supra mencionados, encontram-se os elementos da peça publicitária que consistem em título, ilustração, texto e slogan.

O título representa o elemento mais importante de qualquer peça publicitária, pois é através dele que o anúncio desperta a atenção do leitor. “O título é o chamariz”. (Sant’Anna, op. sit.:211). “O título deve conter forte argumento de interesse humano. Deve ser breve, claro e expressivo.” (Malanga, op. sit.:51). Deve ser redigido diretamente para o público, voltado para o destinatário, falar exclusivamente ao receptor.

“A ilustração desempenha uma importante parte. Às vezes, o próprio título prende o leitor, mas, quase sempre são a fotografia e as ilustrações que desempenham este papel.” (idem:51). A ilustração atua como fator de compreensão, atenção e memorização, pois facilita o entendimento do texto e a identificação do produto, distinguindo-o dos concorrentes. “A ilustração é, sobretudo, um estímulo sutil e forte, de ordem emotiva, que tende a desencadear os desejos e os interesses, que são as molas de ação, e a estimular a imaginação.” (Sant’Anna, op. sit.:237).

O texto é a expressão e desenvolvimento da idéia embutida no título. Para sua maior eficácia, deve ser claro, objetivo e breve. Há dois tipos de texto: o racional, que se dirige à inteligência, age pela lógica dos fatos, informa, descreve o produto, enumerando as vantagens e razões para sua aquisição; e o emotivo, que fala a linguagem dos sentidos, dirige-se ao afetivo, atua principalmente por sugestão, salienta os efeitos do produto.

O slogan pode ser definido como “uma sentença máxima que expressa uma qualidade ou vantagem do produto.” (idem:223) e, como tal, deve ser apresentado em uma frase curta, simples objetiva, de som agradável e de fácil memorização.

Outro fator de primordial importância no processo publicitário é a estratégia de veiculação. A PP evoluiu quanto aos veículos utilizados. Hoje em dia, além da publicidade falada e mural, existe a publicidade impressa, luminosa, auditiva, visual, audiovisual e on line. A freqüência e a intensidade com que as mensagens serão transmitidas também são aspectos relevantes a considerar no processo publicitário.

Publicidade, comunicação, linguagem e semiótica

PP é, essencialmente, uma atividade de comunicação com o público. Impossível, pois, estudá-la sem examinar o conteúdo e a forma da mensagem, a maneira pela qual ela será veiculada ao público escolhido e o processo através do qual se dá a comunicação.

Ainda que as situações de comunicação sejam diferentes entre si, “o processo é sempre o mesmo, independentemente de que os sinais sejam emitidos de uma onda de televisão ou ditos por um jovem no ouvido de sua amada.” (Sant’Anna, op. sit.:3).

Toda e qualquer situação de comunicação envolve, pelo menos, três elementos básicos, comuns e essenciais: um emissor, uma mensagem e um receptor. Há que se considerar, ainda, outros ingredientes ou fatores que desempenham importante papel no processo de comunicação, tais como: contexto, código, canal, repertório, codificador e decodificador. Nesse processo atuam, também, os ruídos, que são os erros, falhas, distúrbios e distorções e que podem comprometer ou impedir a adequada recepção da mensagem.

O primordial em todo o processo é que a mensagem seja transmitida de modo que o receptor possa interpretá-la, ou melhor, decodificá-la, para que ocorra o feedback. Em outras palavras, para que se possa avaliar e medir o desempenho da mensagem. Para tanto, é necessário a utilização de um código comum a emissor e receptor, ou seja, uma linguagem que os identifique, proporcionando a efetiva transmissão, recepção e compreensão da mensagem.

Neste ponto, é necessário que se faça uma pausa sobre o processo de comunicação, a fim de se proceder a um esclarecimento sobre a linguagem, visto que a mesma é de suma importância para a comunicação humana.

“Embora não haja limites para os signos que o homem pode utilizar para se comunicar, a maior parte da comunicação se realiza por meio da linguagem falada ou escrita.” (Bordenave,1982: 76).

Linguagem pode ser definida “como um sistema de signos vocais arbitrários usados para a comunicação humana.” (idem). Comunicação e linguagem constituem-se, assim, as duas faces de uma mesma moeda, aspectos comuns, intrínsecos e interdependentes de um mesmo ser. A linguagem, tal como admite E. Sapir (apud Penteado, 1991), tem como objetivo a comunicação humana, sendo a linguagem definida, por Penteado (idem:31) como “toda comunicação compreensiva, de pessoa a pessoa.”. Émile Beneviste (apud Vanoye, 1991:29), ao conceituar linguagem como “um sistema de signos socializado.”, evidencia a ação comunicativa da linguagem. A linguagem, decorrente do ambiente social e cultural, atua como fator de integração ou de diferenciação, na medida em que possibilita a um mesmo grupo a adoção de termos comuns, distinguindo-o de outros.

Com isto, foi atingido o ponto central deste trabalho, que se refere, justamente, a investigar e discutir o papel do anúncio publicitário da Duloren e sua atuação enquanto signo.

O vocábulo signo, porém, nos remete, neste momento, à necessidade de tecermos alguns comentários, em nível de esclarecimento, sobre Semiótica, signo e seus componentes.

O termo Semiótica vem da raiz grega semêion que quer dizer signo, refere-se aos signos da linguagem.

(...) “o homem – na sua inquieta indagação para a compreensão dos fenômenos – desvela significações. É no homem e pelo homem que se opera o processo de alteração dos sinais (qualquer estímulo emitido pelos objetos do mundo) em signos ou linguagens (produtos da consciência).” (Santaella, 1990:14).

A Semiótica é, então, a ciência dos signos, ciência geral de todas as linguagens. É a ciência que estuda, nos fenômenos, sua constituição como linguagem, isto é, sua ação como signos, na natureza e na cultura. A semiótica é o conhecimento sobre os signos (ação dos signos), a explicação teórica sobre os signos e como eles atuam.

Santaella (idem) diz que o século XX testemunhou o nascimento e crescimento de duas ciências da linguagem: Lingüística – ciência da linguagem verbal e Semiótica – ciência de toda e qualquer linguagem.

A história da Semiótica é, antes de mais nada, uma realização da consciência semiótica e da resolução das implicações dessa consciência, até o ponto em que ela seja capaz de se sustentar sistematicamente, em todas as esferas do conhecimento e da experiência. Dessa maneira, é uma história que se estende também para o futuro e nunca estará completa enquanto próprio pensamento continuar a cresce” (Deely, 1990:127).

E isto nos remete ao que postulava Peirce sobre o crescimento contínuo do universo e da mente humana.

Semiótica é ciência, área do vasto e dinâmico campo de entendimento humano e, como tal, não pode ser estanque. Sua história é resultado de toda uma realização humana, uma tomada de consciência coletiva sempre em andamento.

Neste ponto definimos Semiótica . Mas, e signo?

“O signo é uma coisa que representa uma outra coisa: seu objeto.” (Santaella, op. sit.:78).

Apreende-se, então, que a condição de signo requer sua capacidade de representar algo (seu objeto) para alguém. Ao representar “esse algo”, o signo produz, na mente, um efeito de reconhecimento, de interpretação. A esse efeito produzido, denomina-se interpretante.

Introduzimos com esse conceito de signo seus componentes, a saber:

    Objeto imediato – embutido no próprio signo, dentro do signo. Refere-se ao modo como o objeto dinâmico está representado no signo;

    objeto dinâmico – aquilo que está fora do signo, determinando-o. Como o próprio nome diz, não possui caráter de referente a algo completo, no sentido de acabado, preciso e finito;

    nterpretante imediato – são todas as possibilidades de interpretação que o signo viabiliza, aquilo que o signo está apto a produzir numa mente interpretadora qualquer. É a interpretabilidade do signo;

    interpretante dinâmico – aquilo que o signo efetivamente produz numa mente interpretadora, ou seja, na atualização de umas das suas possibilidades;

    interpretante final – seria, se possível fosse, o momento final de todas as possibilidades interpretativas, a conclusão de tudo o que foi dito sobre o signo;

    fundamento – “o signo representa alguma coisa, seu objeto. Representa esse objeto não em todos os seus aspectos, mas com referência a um tipo de idéia que eu, por vezes, denominei fundamento do representâmen.” (Peirce, 1990:46).

Perspectiva semiótica do anúncio Duloren

Signo – anúncio da Duloren;

Objeto imediato – é o próprio anúncio da Duloren, veiculado pela Revista Nova, edição n. 1, ano 23, de janeiro de 1995, e apresentado em duas páginas seqüenciadas, onde se pode verificar os seguintes elementos:

Título do anúncio: Você não imagina do que uma Duloren é capaz;

Slogan do fabricante: Duloren. Só prazer;

1a. página: membros inferiores de duas bailarinas em trajes apropriados, na tonalidade rosa, sob um tablado de madeira, título do anúncio, também rosa, tudo em fundo preto. Etiqueta Duloren Tecidos. A palavra Lycra e o nome da agência publicitária;

2a. página: fundo verde água, duas mulheres jovens: uma morena de cabelos castanhos curtos, usando agasalho rosa aberto, tendo por baixo, body bege, mão direita na cintura, mão esquerda no pescoço da outra, que é loura, cabelos compridos, levemente presos por uma fita rosa, usando corselete e calcinha amarelos, na mão direita segura um par de sapatilhas também rosa, sua mão esquerda descansa, suavemente, abaixo do seio direito da morena. As pernas de ambas se tocam, levemente. As duas estão de olhos fechados, envoltas em um clima de romance, sugestionando a possibilidade um beijo prestes a acontecer;

Objeto dinâmico – a definição de objeto dinâmico nos remete àquilo que está fora do signo, determinando suas possibilidades interpretativas. Neste caso específico do anúncio Duloren, nosso objeto dinâmico é a própria linguagem publicitária ou todo o processo de criação publicitária, apelando para abordagem de um tema controverso como o homossexualismo, pois é justamente essa linguagem publicitária inovadora, em anúncio de lingerie que irá delimitar ou influenciar as várias possibilidades de interpretação do signo;

Interpretante imediato – são todas as possibilidades de interpretação que o signo (anúncio Duloren) viabiliza. Neste sentido, o mesmo pode ser interpretado, a partir de uma visão crítico- moralista, como mera exploração e apelação de cunho “grotesco”, como estratégia inovadora no processo publicitário; como análise psicológica dos seus efeitos sobre o consumidor ou sobre o comportamento homossexual. Ainda neste aspecto, há que se destacar as manifestações das leitoras, pois algumas descreveram sua “repulsa” ao ver o anúncio, outras disseram simplesmente que admiraram a beleza da lingerie e a ousadia da mensagem, manifestações essas que são, na verdade, possibilidades interpretativas, ou seja, interpretante imediato.

Interpretante dinâmico – com base na definição de interpretante dinâmico como o efeito efetivamente produzido na mente interpretadora, ou seja, na atualização de uma das suas possibilidades interpretativas, passo agora a analisar o anúncio Duloren, a partir da ótica do mesmo como estratégia inovadora, ainda que manipuladora, da linguagem publicitária, pois esta ótica constitui-se no meu interpretante dinâmico.

O anúncio da Duloren foi publicado na revista Nova, tipo de mídia impressa, dirigida exclusivamente ao público feminino de classe média à alta. Como mídia impressa é (...) “envolvente e informativa conforme a leitura que dela se faz. Requer uma seleção ativa do consumidor, oferece informações para o intelecto das pessoas mas também tem caráter informativo e pode gerar uma atitude passiva e receptadora.” (Burke apud Siqueira:74). Porém, apesar disso, convém lembrar que, ao folhear uma revista, o leitor encontra-se concentrado nesta ação. Neste caso, ele terá mais possibilidade de observar detalhadamente uma mensagem, se a mesma lhe despertar a atenção. Para isso, e levando-se em conta, a concorrência muito grande de outros estímulos visuais, o apelo da mensagem deverá ser suficientemente forte.

O anúncio Duloren enquadra-se neste aspecto. Ocupando duas páginas inteiras da Revista Nova, o mesmo apela para um tema de certa forma novo na linguagem publicitária, considerando-se ainda que o produto anunciado é lingerie. Em geral, anúncios desse tipo de produto apresentam forte apelo sensual, em situações que envolvem costumeiramente sexos opostos.

Qual seria, então, a causa dessa nova abordagem publicitária em anúncios de lingerie?

Há que se considerar, num primeiro momento, que a atividade publicitária não é feita aleatoriamente. Sua prática resulta de todo um processo em interação com o contexto social, político, cultural e econômico. Nesse sentido, justifica-se essa nova abordagem pelo fato de vivermos um momento de maior liberdade sexual, no qual as pessoas que optam por relacionamentos homossexuais lutam por seus direitos. Outro aspecto importante e significativo para a compreensão desta nova abordagem publicitária refere-se ao fato de que algumas pessoas, revestidas de “óculos socais” tendem a ver as mulheres que adotam a orientação homossexual, a partir de estereótipos, que as caracterizam e dotam de qualidades e atributos físicos masculinos. O termo estereótipo, como diz Augras (1978:35), foi introduzido por Walter Lipmman “no campo da psicologia social como conceito classificatório, ao qual está sempre ligada uma intensa totalidade afetiva de agrado ou desagrado”. Profundamente envolvido com o aspecto emocional, afetivo e psicológico dos indivíduos, o estereótipo, ainda como diz Augras (idem:36), “... situa-se portanto no plano da fantasia. Mas, tratando-se de um tipo de atitude social, é uma fantasia que pode levar à ação”. Originariamente, “estereótipo é um molde de metal a partir do qual se pode reproduzir inúmeros exemplares” (idem:35), aplicado ao campo psicológico, consiste na utilização de uma palavra que tem como finalidades esquematizar e idealizar. Através da utilização do estereótipo, as características, positivas ou negativas, do objeto estereotipado são esquematizadas, reduzidas, simplificadas, em uma única palavra que o “representa”, fato que facilita a memorização, a manutenção, e a persistência, às vezes de forma latente. No âmbito grupal, o estereótipo desempenha forte fator de identificação e coesão (Ex.: a idéia de nobreza e superioridade arianas que caracterizaram as atitudes dos alemães, justificando as inúmeras atrocidades cometidas contra os judeus!), além de cristalizar com maior capacidade a resistência, hostilidade e atitude negativa em relação àqueles que não se enquadram nas características do grupo, gerando e estimulando o preconceito. A concepção de que o caboclo (homem amazônico) é preguiçoso ilustra o estereótipo. Por não se enquadrar no perfil capitalista, pelo fato de produzir apenas o necessário a sua sobrevivência, sem pretensões de acumular excedentes para comercialização, o homem amazônico é assim esterotipado/rotulado.

O anúncio analisado se opõe a esta perspectiva estereotipada , ao mostrar duas mulheres jovens, bonitas e extremamente femininas, supostamente envolvidas em um relacionamento homossexual. Não seria intenção da mensagem mostrar que isso é possível sem a perda da tão sonhada feminilidade?

A primeira página do anúncio mostra, em fundo preto, os membros inferiores de duas bailarinas - pelo tamanho das pernas e pés, deduz-se que são adolescentes - vestindo trajes apropriados, na tonalidade rosa, sugerindo, talvez, a inocência, uma vez que a prática do balé é uma atividade que se inicia na infância. Ambas as bailarinas estão sobre um tablado de dança “suspenso” (esta é a impressão), evocando, metaforicamente, o prazer físico e mental advindo da prática do balé. Abaixo do tablado, o título do anúncio, também em rosa: “Você não imagina do que uma Duloren é capaz”, a partir da qual podemos perceber uma nítida mensagem provocante, uma promessa de prazer, a sugestão de que tudo é possível e justificável, até mesmo, a perda da inocência, pois, o que se apreende numa leitura mais detalhada e confirmada na página seguinte, é a transformação das meninas, ou adolescentes da primeira página em mulheres sexualmente emancipadas. Tudo isto condicionado à aquisição do produto anunciado. Em fundo verde água, duas mulheres jovens, bonitas e extremamente femininas, usando lingerie Duloren, encontram-se envolvidas por um sugestivo clima de romance. No canto inferior direito da página, a logomarca e o nome do anunciante, seguido do slogan: “Duloren. Só prazer”, induzindo a leitora a associar o uso da lingerie Duloren a prazer e sensualidade. A promessa é exeqüível? É óbvio que não! A finalidade é bem outra: pretende sugestionar a consumidora, vítima de preconceitos, carente destes aspectos ilusórios de felicidade e cansada das insatisfações cotidianas, a buscar compensação no sedutor imaginário que a abordagem publicitária em foco apresenta.

Carrascoza (1984) diz que a publicidade falseia o valor de uso das mercadorias. Para ele, o valor de uso está vinculado às qualidades intrínsecas da mercadoria, que proporcionam atendimento às necessidades humanas, refere-se à utilidade do produto. A linguagem publicitária, porém, atribui ao produto um falso valor de uso, ou seja, ela o reveste de valores outros que não se relacionam ao seu verdadeiro valor de uso, mas sim a valores “sociais” como charme, inteligência, status, felicidade, prazer, bem-estar etc., os quais o consumidor é induzido a pensar ou acreditar que adquire ao adquirir o produto anunciado. Desse modo, a publicidade cria um produto social. É o que acontece no caso em análise, no qual o produto lingerie perde seu valor de uso, como peça íntima do vestuário, adquirindo características abstratas como prazer e sensualidade.

Fundamento do signo - a exposição de duas situações antagônicas - inocência da infância, retratada na primeira página, em contraste com a idéia de transformação dessas meninas (quase adolescentes) em mulheres liberadas sexualmente, na página seguinte. A idéia de substituição da inocência pela malícia, sensualidade e emancipação sexual.

Conclusão

O “olhar” semiótico lançado sobre a peça publicitária aqui tomada como objeto de reflexão, longe de esgotar conteúdo tão sedutor, acena com a possibilidade de tantas outras leituras. Sua sedução reside, justamente, nessa impossibilidade de exaustão, de completude final, que instiga, cada vez mais, à busca de conhecimentos.

Debruçar-se sobre esta peça e apreendê-la, na condição de estratégia publicitária ousada, polêmica ou crítica, foi vital para a compreensão do fenômeno publicitário, cotidianamente presente em nossas vidas. A linguagem publicitária, entendida enquanto processo e analisada sob uma perspectiva semiótica, revela-se um poderoso instrumento de manipulação. Sua abordagem, antenada com o contexto social, possibilita o adequado posicionamento das mensagens a esse mesmo contexto, de tal modo, que ela (a linguagem publicitária), tanto reflete, quanto influencia o cotidiano do consumidor e, no caso em questão, da mulher brasileira (vide tantas outras peças publicitárias direcionados ao segmento feminino). A mulher brasileira, sem seu estágio atual, independente financeiramente e sexualmente emancipada, foi e é assim apreendida pela publicidade, que não só a revela, mas, também, influencia, estimula e incita essa mulher a assim se comportar. Isto se dá, não porque a publicidade valorize essa mulher e a respeite como pessoa, mas porque lhe interessa seu poder econômico enquanto agente consumista. A manipulação se revela pela ousadia, atualidade, oportunidade e direcionamento “educativo” e cultural dos conteúdos apresentados pela publicidade, pois, “ao mesmo tempo em que reflete os valores de uma determinada sociedade, a publicidade contribui para formá-los, o que lhe garante uma forma de ação cultural.” (Campos, op. sit.: 28).

Falar a linguagem dessa mulher, defender, refletir e partilhar seus valores, causas de luta, interesses, enfim, vestir-se e desnudar-se como essa mulher, é garantia do alcance dos objetivos instrumentais que caracterizam a ação comunicativa da publicidade e asseguram o recall. Ainda que sedutora, a Publicidade, em sua nudez “transgredida” pelo olhar semiótico, revela-se cruel e manipuladora. Seu vínculo com o modo de produção capitalista é inegável e jamais se rompe. Importa, diante disso, educar o receptor, no sentido de melhor prepará-lo para captar a essência do envolvente discurso publicitário, formando, assim, verdadeiros cidadãos, agentes de sua própria história.

Referências

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