Eduardo Serrano, um prefeito
“caçado”:
A produção do consenso pela imprensa macaense
Evelyn
Soares Valente
Universidade Federal de Juiz de Fora
Faculdade de Comunicação
Bolsista do PET (Programa Especial de Treinamento)
5º período
Orientação: Prof. Ms. Cláudia Lahni
Introdução
A
atuação da mídia pode fazer ou desfazer uma imagem, criar um mito e
desmistificá-lo com uma rapidez por vezes impressionante. Desde a sua origem,
na França do século XVII, os primeiros jornais ou informativos tinham como
objetivo atuar politicamente, influenciando a população a apoiar a revolução
burguesa. Os panfletos distribuídos, muito além de informar, formavam
apoiadores e tentavam desmoralizar a aristocracia que detinha o poder político.
Não
se quer aqui, achar a mídia ingênua, mas é preciso ter em vista que qualquer
letra impressa ou falada, por mais tendenciosa que seja, deve se manter nos
limites da ética e idealmente buscando a objetividade. Principalmente quando o
assunto a ser tratado é de grande polêmica, como a política ou a
homossexualidade, o cuidado na escolha das palavras é fundamental para que
difamações ou vulgarizações não aconteçam.
Em
Macaé (RJ) de fins da década de cinqüenta, os pré-supostos básicos da
informação jornalística e da ética foram ignorados. Um prefeito polêmico e
discriminado por sua orientação sexual foi alvo de uma cobertura questionável
pela imprensa da época. A homossexualidade de um homem foi abordada por trás de
muitos adjetivos pejorativos, e sua sexualidade foi decisiva no processo de
cassação que o retirou do poder.
Nesse
trabalho procura-se analisar o conteúdo da cobertura do mandato do então
prefeito de Macaé, Eduardo Serrano, eleito em 1959 e deposto em 1960. Até que
ponto a mídia da época contribuiu para a desmoralização, para o processo de
cassação e posterior renúncia de Serrano ao mandato.
Macaé
do século XX
Macaé
entrou no século XX com sua economia basicamente rural. Dentre as principais
forças produtivas estavam a cana de açúcar, as plantações cafeeiras, a
atividade pecuarista e a extração do pescado. Não mais eram os escravos a
trabalhar, mas os latifúndios e monoculturas continuavam como no século XIX e
propiciavam que o grande proprietário de terras desempenhasse vários papéis
como “agricultor, homem de negócios, defensor da segurança local e
freqüentemente político”1. No início do século XX,
Macaé vê sua atividade comercial em decadência que fica estagnada até meados do
século XX, resultado também de crises sucessivas após a 1ª Guerra Mundial.
A
partir da década de 40, Macaé retoma o seu desenvolvimento com a construção de
canais de dragagem, da usina hidrelétrica de Macabú e com a inauguração em 1943
da Via Amaral Peixoto ( hoje, RJ 106 ) ligando Campos a Niterói e passando por
Macaé. A construção dessa rodovia é fundamental para que o comércio local fosse
revitalizado. Já a área cultural foi fértil no século XX. Teatros, Associações,
Clubes Literários eram responsáveis por manter acesas as discussões políticas e
literárias de Macaé. Em meados do século XX, Macaé ficou conhecida por gerar
artistas famosos como Benedito Lacerda, Emilinha Borba, Angela Maria, Lucas
Vieira, dentre outros.
Macaé
entra na década de cinqüenta com grande expectativa de desenvolvimento, já que,
em 1955, teria fim a maldição lançada por um macaense contra a cidade. Mota
Coqueiro, último condenado à pena de morte no Brasil, quando da hora da sua
execução, lança sobre Macaé uma praga de 100 anos de atraso. Na superstição popular,
a década que se iniciava traria para o município o progresso tão esperado.
Nesse
peródo a população da cidade era estimada em torno de 50 mil habitantes, mas
ainda havia poucas indústrias. A grande empregadora de Macaé era a Estrada de
Ferro Leopoldina. A economia macaense ainda era, como no início do século,
baseada na atividade primária: agroindústria açucareira, pecuária e pesca.
Macaé era uma cidade pobre em arrecadação, sobrevivendo de impostos e de
repasses do Estado.
Um
fato curioso dessa década é que em 1958 é feita a primeira perfuração a procura
de petróleo na região. Feita na parte terrestre, tinha o objetivo de conhecer
as camadas geológicas de Macaé. Na década de 70, Macaé iria se transformar em
um importante produtor de petróleo, como de fato é até hoje.
Na
área cultural a grande febre era o cinema:
“Para o lazer do macaense, contava-se com dois cinemas - Cine Santa Isabel e o Cine Taboada – com suas sessões noturnas e as matinês aos domingos; acompanhados nos fins de semana pelo tradicional “footing” na Avenida Rui Barbosa, que era interditada para o vai e vem das moças casadoiras. As domingueiras nos clubes, o banho de mar na praia de Imbetiba e as festas religiosas, compunham o lazer macaense”2.
Política
A
vida política de Macaé na década de cinqüenta podia ser condensada na
existência de quatro partidos políticos que se sucediam no poder e tinham os
seus redutos eleitorais muito bem definidos: UDN ( União Democrática Nacional)
que representava os interesses dos grandes proprietários de terras e a ala
empresarial de Macaé, o PSD ( Partido Social Democrático) que tinha excelente
organização partidária e representava a elite dominante do município, o PCB (
Partido Comunista Brasileiro) que buscava o apoio dos trabalhadores macaenses,
e o PSP ( Partido Social Progressista que tinha grande penetração e buscava o
apoio do Sindicato dos Ferroviários que já era reduto do PSB ( Partido
Socialista Brasileiro).
A
história do jornalismo em Macaé
O
jornalismo em Macaé nasceu quando o jornalismo brasileiro, também em seus
primórdios, tinha características muito peculiares. Era uma imprensa muito
menos comprometida com a informação do que em noticiar polêmicas e ataques
pessoais. Tinha também uma forte e clara tendência ideológica apresentando-se
como uma imprensa político-partidária que se configurava como um instrumento na
defesa dos interesses das diferentes alas.
Nesse
contexto, em 1º de julho de 1862, uma terça-feira, é lançado o primeiro jornal
de Macaé, “Monitor Macaense”. Saía às terças e sextas feiras. Esse jornal
sobreviveu até 1870 quando foi desativado, provavelmente por problemas
financeiros.
Em
1867 é lançado “O Thelegrapho” que saía às quartas e sábados e seguia
tendências liberais. Tinha como proprietário Bento Pinto Leite. Joaquim
Gonçalves de Abreu fundou o terceiro jornal de Macaé, o Tribuno do Povo, em 1º
de dezembro de 1868. Esse jornal saía às quintas feiras e aos domingos
produzindo uma circunstância curiosa. Os três primeiros jornais da cidade eram
bissemanais e saiam em dias diferentes, tendo a população notícias locais todos
os dias da semana, excetuando-se as segundas feiras.
Esses
três primeiros jornais davam amplo espaço para as manifestações da população
que abusava de trovas e curtas poesias para rivalizar com outros moradores. Nessas
provocações nomes não eram assinados , e os pseudônimos criados foram muitos
como Quebra-Vidraça, Dr. Pilhéria, Tinhoso e outros. Até ameaças de morte foram
veiculadas pelos jornais:
“Pois eu avisar-lhe
quero...
A você e a outros mais
Deixar-se de asneiras tais
De cuidar da vida alheia!
Que pode um dia marchar
Com passo lento e profundo
Daqui para outro mundo
Comendo gurumbumba à ceia”
Além
dos conteúdos, os jornais da época tinham formatos muito parecidos:
“Obedeciam todos os nossos periódicos modelo da imprensa brasileira da época, por seu turno copiado de seus similares ingleses. Formato 30x 45 cm, quatro páginas sem manchetes, divididas em quatro colunas. Com ligeiríssima variação de um para o ouro, tais jornais ocupavam a primeira página com editoriais e ralas colunas de informações sob o título Noticiário ou Gazeta. O rodapé dessa página de rosto era campo de pouso, bem como o mesmo espaço do verso, ou seja, da página dois, de romances em folhetim. Coisas como O segredo do Abade de Arnaldo Viana gama ou Vinte Horas de Liteira de Camilo Castelo Branco, para dar dois exemplos..”3
Outros
jornais foram publicados nessa época com o mesmo objetivo “literário e
noticioso”. São eles: “O Ramalhete”, em 1871, “O Goytacaz”, em 1875 e, em 1877,
“Aurora Macaense”. Em 1896 é lançado “O Século”, jornal abolicionista que
enfrentou forte oposição dos fazendeiros. Sua primeira tiragem foi de 765
exemplares. O jornal foi desativado com a morte do seu proprietário Souza
Mello, em 1918.
Como
os jornais continuavam a dar espaço às pilhérias da população que as faziam sem
assinatura, foi feita uma reunião no dia 11 de junho de 1887 entre alguns
jornalistas e pessoas ilustres da época em que ficaram acordadas algumas
propostas: banimento de artigos sobre a vida privada ou questionamento do
caráter ou honra de qualquer pessoa, somente publicação de artigos devidamente
responsabilizados na forma da lei e, por último, multa para o proprietário do
jornal que infringisse o acordo.
Em
1895 é lançado em Macaé “O Lynce” por José Hugo Kopp, que de início era
impresso nas oficinas do “Jornal do Brasil”.
“A primeira década desse nosso século testemunhou, em
seu último ano, o aparecimento de outro importante jornal de nosso passado, “O
Regenerador”. Mas essa década foi pródiga em nascimentos e óbitos de pequenos
jornais, geralmente intitulados “literários e noticiosos” por seus fundadores.
Jornais normalmente surgidos de jovens, aspirantes às glórias das letras ou
amantes de mexericos, até certo ponto, inocentes. Apareciam tais periódicos,
com muito entusiasmo, com muita ênfase, circulavam no máximo uma dezena de
vezes, e logo finavam desanimadamente. Desse tipo de imprensa, nitidamente
interiorana, temos notícia – no período a que nos referimos – dos seguintes
títulos: “A mocidade”( 1902), de Humberto Mello e João Nelson, “O Porvir”(
também em 1902), de H. Kopp e J. Lacerda e cujo primeiro número foi impresso em
papel verde; “O Álbum”( 1905), de Carivaldo Pinto; “O Baluarte”( também em
1905), de Oscar Massena; “O Macaense”( ainda em 1905), de Anibal Mello e Mário
Costa; “O Éden”( 1906), órgão do Club Edem Macahense, redigido por Herculano
Kopp; “A Lavara”( 1906) de Gil Antunes de Carvalho, e “A semana (1909), de José
e Pedro Melo”.4
Em
1927 é fundado em Macaé, por Cleveland de Souza Lima, o jornal “O Momento” que
chegou a circular durante cinco anos. Se intitulava “semanário independente,
noticioso e esportivo”, mas em 1930 teve o título de “Órgão Oficial do Partido
Democrático do Estado do Rio de Janeiro”. Em 1929 é fundado o “Macahé esportivo”
que tinha como frontispício “Semanário esportivo e noticioso”. Em 1932 é
fundado “O Rebate” por Antônio Duarte Gomes. Esse jornal circulou por 31 anos
ininterruptos e teve grande abrangência no município sendo defensor de
tradições macaenses. Em 1938 aparece na cidade a “Gazeta de Macaé”, fundada por
Latiff Mussi Rocha. Além de jornais, Macaé ganhou uma Rádio em 1950, a XYP-21.
Pertenceu até 1958 a José Freire Dantas Filho sendo vendida nessa época a
Iltamir Abreu, que trocou o nome da rádio para Princesa do Atlântico; sua torre
estava localizada no Bairro Visconde de Araújo e operava com 250 w de potência
irradiante na antena e ondas de 365m. Em 1958 a rádio ficava no ar das 6 horas
da manhã até meia-noite, diariamente. A rádio transmitia as sessões da Câmara e
das Associações de Classe da cidade. Na década de cinqüenta, os jornais locais
e estaduais e a rádio local foram importantes veículos na cobertura da vida
política da região, inclusive do mandato do prefeito Eduardo Serrano.
Embora
em Macaé tenha havido uma profusão de pequenos jornais que não conseguiram se
estabelecer e não tinham grande abrangência, esses veículos muito além de
noticiarem, tomavam posição nos assuntos que noticiavam e com isso
influenciavam seus principais receptores, que eram pessoas da alta sociedade da
época. Eram essas pessoas que tinham acesso aos veículos de comunicação,
principalmente os jornais, que formavam a opinião pública e influenciavam a
população em geral.
Eduardo
Serrano
Eduardo
Serrano nasceu em 17 de janeiro de 1910 na cidade de Vilha Velha, Espírito
Santo. Trabalhava em Niterói como auditor fiscal do Tribunal Regional Eleitoral
do Estado do Rio de Janeiro, quando na década de quarenta veio a Macaé para se
recuperar de uma enfermidade. Com o fim da licença médica, foi aposentado e
fixou residência na cidade. Segundo relatos e livros da época, Eduardo Serrano
era solteiro, tinha pele clara, aparentando uns 50 anos de idade; tinha
estatura média, era muito falante e simpático, bom orador com grande poder persuasivo.
Mesmo
estando em Macaé não perdeu os contatos políticos com a capital e iniciou na
cidade um trabalho assistencial àqueles mais carentes. Como conhecia muito bem
as leis e os trâmites legais começou a atuar como rábula junto ao Ministério
Público, sem cobrar dos clientes. Geralmente eram causas trabalhistas quando
Serrano defendia o empregado.
“Reclamações trabalhistas, certidões de nascimento, carteiras de identidade e outros documentos eram entregues graciosamente aos requerentes. A maior parte do que recebia, gastava com serviços que prestava. As causas que defendia, nem sempre as fazia a luz da razão, porque acreditava no que lhe contavam, sem ouvir as partes opostas”5
Em
1947, Serrano fundou em Macaé o Escritório de Assistência Social Eduardo Serrano,
em que a população era atendida; esse serviço foi considerado de utilidade
pública municipal. Com esses atendimentos, Serrano adquiriu muita popularidade
e ficou conhecido como “pai dos pobres”. Já os políticos da cidade viam com
desconfiança a figura de Serrano, mas até essa hora não tomaram nenhuma atitude
de retaliação. O poder constituído ainda não se encontrava ameaçado. Pelo
contrário, em anos eleitorais os políticos se aproximavam de Serrano que se
configurava como importante cabo eleitoral conseguindo arrebanhar grande
quantidade de votos para o candidato que apoiasse. A partir do momento em que
Serrano solidificou sua atuação junto a comunidade periférica e demonstrou as
primeiras pretensões políticas que tinha, os caciques políticos da época se
espantaram e perceberam o perigo que o “pai dos pobres” se configurava.
Em
1958, Eduardo Serrano demonstra pretensões de lançar-se candidato a prefeito,
mas não é aceito por nenhum partido local, tendo que fundar um partido em
Macaé, o PR (Partido Republicano) e convida Antônio Otto de Souza para ser seu
vice. Nessa hora a homossexualidade de Eduardo Serrano começa a ser ventilada
como um impedimento ao cargo do Executivo. Mesmo nos livros escritos
posteriormente àquela década, o preconceito é claramente identificável:
“Já conhecido na cidade como pederasta passivo, os seus casos amorosos foram difundidos de boca-em-boca, por pessoas que temiam um dia ter como chefe do poder executivo uma pessoa de tão baixo moral. A sociedade macaense não aceitava”6
Uma
observação a ser feita é que a sociedade ilustre, do centro da cidade,
detentora do poder, não aceitava, mas a população periférica não via a
homossexualidade de Serrano como impedimento a nada, pelo contrário, Eduardo
Serrano se configurava como uma esperança de aquelas comunidades se fazerem
representar.
Realizou-se
o pleito e como diz Iltamir Honório Abreu, vereador eleito pelo PSP “aconteceu
o inesperado: “o Eduardo Serrano ganhou as eleições”7 e para governador foi eleito Roberto Silveira ( PTB). A câmara de
vereadores ficou com os seguintes quadros: Francisco de Assis Almeida Pereira,
Jovelino Antônio Proença e Gê Sardemberg da UDN, Alcides Ramos, Lacerda
Agostinho, José Machado Barcelos, Joaquim Lobo dos Santos e Iltamir Abreu do
PSP, Joaquim Amaral Filho, Carolino Curvelo Benjamim, Antonino Manoel Cure e
Bento Fidélis Rosendo do PTB, Roberto Mourão e Walter Quaresma pelo PSB, Manoel
de Araújo Jatobá pelo PDC e apenas dois vereadores eleitos pelo partido de
Eduardo Serrano, o PR, Alcides Vieira e Luis Pinheiro. Eduardo Serrano tomou
posse em 1º de março de 1959 com forte oposição da Câmara.
Segundo
entrevista com José Milbs8, presidente do Grêmio da
Escola Estadual Luiz Reid em 1960, o governador, embora apoiado por Serrano na
campanha, tinha interesses em prejudicar o seu mandato porque Gersom Miranda
que tinha sido candidato a prefeito era neto de Tarcísio Miranda, um político
de Campos dos Goytacazes, que era o padrinho político do governador. Então
havia um interesse claro que Gerson Miranda, o Mirandinha estivesse no poder e
não Eduardo Serrano.
Nessa
época Macaé se sustentava, principalmente, por arrecadação de impostos , que
eram poucos e por repasse de cotas do governo do estado, que era o que
realmente garantia a cidade. Mas essas cotas, segundo o prefeito, não estavam
sendo repassadas o que gerou um caos no funcionalismo público e motivou ainda
mais a contrariedade com a homossexualidade do prefeito. Armando Borges em seu
livro Histórias e Lendas de Macaé conta :
“Seis meses após sua posse, começaram a surgir os desmandos administrativos, logo denunciados à Câmara Municipal, com o agravante de denúncias de pederastia do Prefeito: fato aliás, que era do conhecimento público, porém sem provas concretas. Naquela época, a sociedade macaense não aceitava em hipótese alguma aquela anomalia.”9
Já
em 1º de junho, apenas três meses após a posse do prefeito, a Câmara Municipal
cria uma Comissão Especial para “apurar diversas irregularidades denunciadas
ao plenário” conforme está no relatório entregue, em 09 de janeiro de 1960,
à Câmara pelos vereadores. A partir daí, a perseguição a Serrano aumenta e a
situação política em Macaé vai se agravando. O funcionalismo público, que por
não receber seu salário entrara em greve, recebia o apoio da Câmara Municipal e
das entidades de classe de Macaé. Por sua vez, Serrano justificava o atraso no
pagamento com o não repasse das cotas pelo governador.
Desde
a sua posse, Serrano já era alvo de críticas por ter demitido funcionários e já
era atacado ferozmente pela imprensa local:
“O homem dos humildes se levantou da sua incapacidade, do seu estado mórbido, e de dentes trincados, procura, a todo custo, fazer mal aos pequenos, aos que vivem na humildade, enquanto por outro lado, disfarçadamente, bajula os grandes e os poderosos num indisfarçável temor à sua incompetência”10
Enquanto
as investigações da Comissão continuavam, uma forte campanha que articulava
opinião pública, jornal e a rádio (como falou em entrevista o proprietário da
rádio local da época e também vereador Iltamir Abreu), visava a desmoralização
de Eduardo Serrano. Para tanto também eram usados alto falantes pela cidade em
que as sessões da Câmara, que eram repletas de acusações contra o prefeito e
onde ele não estava para se defender, eram transmitidas para a população. A
própria Comissão de Inquérito solicitou que números do jornal local “O Rebate”
fossem incorporados aos autos do inquérito. No mês de dezembro de 1959 a
situação em Macaé se torna ainda mais tensa porque a Comissão de Inquérito
convoca 12 pessoas para depor. Nesses depoimentos são relatadas as tentativas
do prefeito de manter relações sexuais com guardas municipais que eram
destacados para vigiarem sua casa e os atos sexuais com alguns desses mesmos
guardas. Em 09 de janeiro é entregue a Câmara Municipal o Relatório Final da
Comissão de Inquérito, que entre outras coisas relata:
“O procedimento do prefeito tem sido sobremodo irregular, revelando uma personalidade instável, arredia, flutuante, incapaz de administrar tardiamente o município... A sua atitude moral é de estarrecer. Os depoimentos colhidos – comprovam, a sociedade, o seu vergonhoso procedimento, ofensivo ao decoro, à honra e a dignidade do cargo que ocupa... Concluindo, a Comissão é de parecer que a Egrégia Câmara mando ingressar em juízo com representação criminal, através de advogado, afim de apurar a responsabilidade penal do Sr. Prefeito Eduardo Serrano...”
À
medida que o processo ia correndo, os veículos de comunicação se tornam mais
agressivos e os jornais publicam matérias ofensivas e, na rádio, o espaço para
se falar contra Eduardo Serrano era amplo. O “Rebate” do dia 17 de janeiro traz
uma matéria sobre o relatório:
“... o recinto do Legislativo super lotado para prestigiar a histórica reunião e tomar conhecimento do mais fedorento processo conhecido até hoje, a começar da parte político administrativa ao moral de seu dirigente... Para concluir com a parte moral, repleta de depoimentos estarrecedores e de monstruosidades e imundícies, que as Comissão de Inquérito, em sinal de respeito, andou bem em não unir em libreto para distribuição à Justiça, as autoridades e ao público como a coisa mais infecta que se tem conhecimento nesse mundo de Jesus Cristo”11
Nesse
ínterim, o processo contra Serrano estava na Justiça esperando julgamento, o
que poderia demorar muito para levar resultados concretos. A Câmara recorre
então a um novo recurso para ter o prefeito afastado do cargo imediatamente.
Aproveitando a ida de Serrano a Niterói, para conseguir recursos junto à
Secretaria de Finanças, a Câmara, no dia 19 de janeiro de 1960, pede a três
médicos conceituados na cidade um parecer médico sobre a pessoa do prefeito
Eduardo Serrano. Horas depois o parecer médico é entregue já reconhecido no
Cartório do 2º Ofício do Sr Elias Agostinho. O documento resulta na afirmativa
de que devido a sua homossexuaidade o prefeito não reunia as mínimas condições
psico-físicas para exercer o cargo de prefeito normal e harmonicamente.
De
posse do laudo, a Câmara Municipal de Macaé cassa, ainda no dia 19, os poderes
do Prefeito, assumindo o seu vice Antônio Otto de Souza.
A
partir daí uma batalha judicial se instala. Serrano impetra um mandato de
segurança contra a Resolução da Câmara Municipal alegando que todo o processo
havia ido conduzido a sua revelia. Em 1º de setembro de 1960, Eduardo Serrano
ganha a causa e encaminha-se à noite para a prefeitura que se encontrava com as
suas luzes cortadas, tendo que lá permanecer à luz de velas. Serrano voltava ao
poder, mas as pressões e investidas contra o seu mandato continuavam muito
fortes. Em 4 de setembro já existe na Câmara Municipal um ofício assinado por
várias entidades de classe solicitando que a Câmara apure irregularidades na
administração de Eduardo Serrano.
Diante
da pressão da sociedade, Serrano acena com a possibilidade de renúncia se o seu
vice também renunciasse. Assim em 15 de setembro de 1960 o prefeito envia a
Câmara um documento comunicando a sua renúncia e a do vice prefeito, valendo a
partir do dia 21 do mesmo mês. Assume a prefeitura o vereador Alcides Ramos. A
partir daí o estado liberou as cotas que estavam atrasadas e a calma voltou a
cidade. A Câmara ainda investigou as contas da administração de Eduardo
Serrano, mas segundo Orlando Tavares Dias, chefe da contabilidade à época,
nenhuma irregularidade foi encontrada.
Conclusão
No
livro A Síndrome da Antena Parabólica, de Bernardo Kucinski, o autor se
apropria de um termo usado por Noam Chomsky (1989) para analisar a mídia norte
americana e o aplica a realidade brasileira. A “construção do consenso”
verificada pelo lingüista nos Estados Unidos pode ser aplicada com algumas
adaptações à realidade brasileira, como pretende Kucinski, e também a cobertura
que a mídia deu ao prefeito Eduardo Serrano. Kucinski identifica a construção
do consenso no Brasil na medida em que uma visão reduzida dos fatos é adotada
pela mídia. A angulação escolhida pelos diferentes veículos se torna a mesma e
é sempre a mais conveniente aos detentores do poder.
“ No Brasil a produção do consenso parece ser antes um
processo político que se realiza primeiro na esfera do poder, e só depois busca
a esfera pública como processo mediático. Dessa instância superior o consenso é
imposto à mídia e parece determinar o próprio padrão da cobertura jornalística”12
Esse
consenso se faz ainda mais presente no momento em que o poder e o privilégio da
oligarquias entram no jogo, como no caso aqui estudado. Um forasteiro,
homossexual consegue tirar o poder político de famílias que comandavam a
cidade. Sob essa perspectiva, a imprensa da época e mais detidamente os
veículos estudados, a “Rádio Macaé” e o Jornal “O Rebate”, se valeram da
criação do consenso para ajudar a formar a opinião pública contra Eduardo
Serrano.
É
preciso lembrar que esse fato ocorre em 1960, em uma cidade de interior onde os
veículos de imprensa não tinham a penetração e consequentemente o poder que têm
hoje, mas já nessa época a imprensa ajudava a formar os pontos de vista do
seleto grupo de estudiosos da cidade que por sua vez influenciavam aqueles a
sua volta e assim sucessivamente.
A
Rádio Macaé como o próprio dono, Iltamir Abreu, disse, em entrevista concedida
para esse trabalho, fazia uma campanha contra Eduardo Serrano:
“ A rádio instigava contra o prefeito. A minha posição era
dentro dos meus interesses políticos e o interesse político daquela hora era
fazer campanha, proselitismo contra o prefeito, que era facílimo fazer,
qualquer um chegava no microfone e dizia que o prefeito era veado..... Havia um
morador, Lecino Melo, ele era terrível, na hora em que o Lecino Melo subia num
caixote para falar contra Serrano e o povo só queria ouvir contra mesmo, que a
consciência já estava formada, aí a rádio botava, eu levava Lecino Melo para
falar na rádio.”
Quando
perguntado se Eduardo Serrano foi convidado alguma vez para falar na rádio, ele
responde:
Em solenidades da Câmara em que ele por ser prefeito era obrigado a ser chamado, foi entrevistado algumas vezes. Espaço para ele eu não dava”. 13
A
rádio como se constata com as falas do proprietário assumiu uma posição contra
Eduardo Serrano. Não deixa possibilidade para que os fatos que se sucediam
naquele momento fossem vistos de uma forma diferente.
A
cobertura do Jornal “ O Rebate” não se diferenciou muito da rádio. O consenso
foi obtido através da similaridade dos textos, que, em sua maioria, tinham uma
postura contrária ao prefeito. Em nenhum momento, em três anos consecutivos
analisados, uma visão plural foi apresentada. O discurso único e contrário já
estava presente desde 1958, ano da eleição, produzindo o consenso. Para
reforçar ainda mais a campanha contra Eduardo Serrano, algumas palavras como
moral, tradição, dignidade, decência foram usadas em repetidos artigos, sempre
denegrindo a imagem do prefeito e realçando importância e o respeito que Macaé
merecia. Com essas formas, por vezes mais sutis, por vezes mais grosseiras,
esses dois veículos de comunicação local, atuaram na construção do consenso e
criaram uma atmosfera sem a qual a imagem do prefeito não seria desgastada de
modo tão rápido e eficaz quanto o ocorrido.
Na
verdade, Serrano já havia sido julgado e condenado por esse júri formado pelos
poderosos da cidade e pela imprensa local. Seu crime teve duas faces: ocupar o
lugar historicamente reservado para as elites e abalar as tradições macaenses
com sua homossexualidade. Como punição, Eduardo Serrano foi “caçado” pela
sociedade macaense
Referências
BORGES,
Armando. Associação Comercial e o progresso de Macaé. Ed. Lar Cristão. Campos,
RJ, 1988
BORGES,
Armando. Histórias e Lendas de Macaé. Mimeo, 1996
JÚNIOR,
Dácio Tavarez Lôbo Júnior. Síntese Geo-Histórica. 100 Artes Publicações, Rio de
Janeiro RJ, 1990
LAPA,
Sônia. A trajetória política de Eduardo Serrano, monografia. Mimeo. Macaé, RJ.
PARADA,
Antônio Alvarez. Abecê de Macaé- Guia Informativo e turístico. Gráfica Falcão
LTDA. Niterói RJ, 1963
PARADA,
Antônio Alvarez. Histórias Curtas e Antigas de Macaé. Obra Póstuma, 1º volume.
Artes Gráficas, Rio de Janeiro RJ, 1995
PARADA,
Antônio Alvarez. Histórias Curtas e Antigas de Macaé. Obra Póstuma, 2º volume.
Artes Gráficas, Rio de Janeiro RJ, 1995
Notas
1 JÚNIOR, Dácio Tavarez Lobo. Síntese Geo-Histórica de Macaé. 100 Artes Publicações. Rio de Janeiro, RJ, 1990.
2 LAPA, Sônia. A trajetória política de Eduardo Serrano, monografia. Mimeo. Macaé, RJ.
3 FERREIRA, José Augusto
Historia de Macaé. Secretaria de Comunicação de Macaé. Macaé RJ. 1993
4 PARADA, Antônio Alvarez. Histórias Curtas e Antigas de Macaé. Obras Póstumas, Volume 1.Artes Gráficas. Macaé RJ, 1995
5 BORGES, Armando. Histórias e Lendas de Macaé. Mimeo. 1996
6 BORGES, Armando. Histórias e Lendas de Macaé. Mimeo. 1996
7 Em entrevista cedida por Iltamir Abreu, proprietário da Rádio Macaé para este trabalho em 01/11/2001
7 Entrevista concedida por josé Milbs para
esse trabalho
8 BORGES, Armando. Histórias e Lendas de Macaé. Mimeo. 1996
9 jornal O Rebate 26 de abril de 1959
10 Jornal O Rebate de 17 de janeiro de 1960
11 KUCINSKI, Bernardo. A Síndrome da Antena Parabólica. Editora Fundação Perseu Abramo, São Paulo, SP.1998
12 Em entrevista cedida por Iltamir Abreu, proprietário da Rádio Macaé para este trabalho em 01/11/2001.