Papo de Mulher e Auto Papo:
programas de rádio comercial em Juiz de Fora
reforçam imagens tradicionais
*

Cláudia Lahni

Professora do Departamento de Jornalismo
da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora
Doutoranda na ECA-USP

Neste trabalho vamos refletir sobre relações de gênero no rádio. Para isso, iremos nos reportar a pesquisas sobre a mulher na comunicação, além de salientar as características do veículo, como abrangência e facilidade de compreensão. Apresentaremos uma análise do programa Papo de Mulher e também do programa Auto Papo, ambos transmitidos pela Rádio Alvorada FM, de Juiz de Fora (Minas Gerais). Os objetivos são verificar como a mulher é representada e, em contrapartida, como é a representação masculina no veículo, além de contribuir com o conhecimento acumulado sobre comunicação e relações de gênero.

A mulher na comunicação

Entendemos que a comunicação pode influenciar na atitude dos indivíduos, reforçando valores já arraigados ou disseminando outras idéias na sociedade; isso, mesmo se considerando o questionamento por parte dos receptores. Assim, a forma como o homem ou a mulher é retratada pela comunicação pode ser significativa.

Maria Otilia Bocchini1 , em trabalho sobre Ana Maria e Viva Mais!, afirma que “as revistas femininas são verdadeiras inimigas das mulheres, de sua autonomia, autodeterminação” (página 69). Isso porque impõem modelos “globalizados de mulher e de relações entre homens e mulheres, cada vez mais marcados por valores conservadores”.

Estudando comerciais veiculados pela televisão, nas décadas de 70 e 80, Flailda Brito Garboggini Siqueira2 considera que neles a figura feminina retratada é a da mulher dona de casa, que cuida da alimentação de todos e é submissa ao marido, embora os publicitários – por ela entrevistados – afirmem ter acompanhado as mudanças da participação da mulher na sociedade. Já Dulcília Schroeder Buitoni3 afirma que três grandes eixos sustentam a imprensa feminina – moda, casa e coração.

Em pesquisa sobre a imprensa sindical, apontamos4 que nela a mulher aparece sub-representada, chegando a não se diferenciar de modelos da indústria cultural. Helena Corazza5, estudando emissoras de rádio católicas do Brasil, indica que “há uma prática que mostra o lugar ascendente de ocupação, por parte da mulher, na vida social pública” (p.137).

Vale mencionar o trabalho da Rede de Mulheres no Rádio que fortalece experiências de gênero no veículo6. A Rede reúne profissionais que fazem 38 programas dedicados especificamente às questões de gênero, 14 programas de rádio-revista, em que a maior parte do conteúdo é voltado para os interesses femininos e 33 programas de temáticas específicas que vão de saúde a movimento sindical e outros, como os que abordam questões da infância e adolescência. Em Juiz de Fora não conhecemos programas que façam parte da Rede – em Minas Gerais existem quatro, veiculados por comunitárias7.

A abrangência do rádio

Como mencionamos, iremos nos deter no rádio, neste trabalho. Isso, principalmente por entendermos a importância do veículo em função de suas características. Sobre suas peculiaridades, vale lembrar – conforme Gisela Swetlana Ortriwano8 - que o rádio, em relação aos outros meios de comunicação, apresenta mais facilidade de transmissão e de recepção, tendo ambas um custo mais barato do que as da TV, por exemplo. Segundo a autora, o rádio tem como característica o baixo custo: “em comparação à televisão e aos veículos impressos, o aparelho receptor de rádio é o mais barato, estando sua aquisição ao alcance de uma parcela muito maior da população” (p.79).

O rádio é só som, o que permite que sua mensagem seja compreendida mesmo por pessoas com dificuldades de leitura ou analfabetas (a televisão cada vez mais tem se utilizado dos caracteres na tela). Isso também permite que o receptor faça outras atividades – como dirigir, caminhar, trabalhar - enquanto ouve o rádio, já que apenas um sentido, a audição, será necessário para entender o que está se passando.

Outra característica é a penetração. Conforme Ortriwano, “em termos geográficos, o rádio é o mais abrangente dos meios, podendo chegar aos pontos mais remotos” . Além disso, “pode estar nele presente o regionalismo, pois, tendo menor complexidade tecnológica, permite a existência de emissoras locais, que poderão emitir mensagens mais próximas ao campo de experiência do ouvinte”.

Assim, não obstante o interesse visual da sociedade, dados indicam que, de acordo com Willians Cerozzi Balan e outros9, no Brasil, existem 115 milhões de radiouvintes, 85 milhões de telespectadores, 8 milhões de leitores de jornais e revistas e, segundo matéria na Folha de S.Paulo10, 5 milhões de internautas. Diante disso, como salientam Balan e outros, “não podemos ignorar que o rádio fala para a maioria absoluta dos brasileiros: para o bem e para o mal...” (p.59).

Análise de conteúdo

Cientes das informações mencionadas e com o objetivo de verificar, com instrumento próprio para análise, como a mulher é representada pelo rádio e, contrapartida, a representação masculina no veículo, definimos como objeto de estudo os programas Papo de Mulher e Auto Papo, veiculados pela Rádio Alvorada FM, de Juiz de Fora (cidade com cerca de 500 mil habitantes, no estado de Minas Gerais).

A análise dos programas foi feita a partir da recepção e gravação dos mesmos, durante duas semanas escolhidas de forma aleatória, pela manhã e a tarde, alternadamente (de 7 a 13 de janeiro, das 8 às 12 horas, e de 22 a 28 de janeiro de 2001, das 12 às 16 horas). Realizamos então uma análise conteúdo, considerando no Papo de Mulher as categorias “saúde”, “beleza”, “trabalho” e “outros”; já no Auto Papo, como o programa sempre apresenta temática referente a carros, procuramos verificar se a linguagem utilizada incluía as mulheres como ouvintes, de forma explícita, ou não. Foi feita ainda uma entrevista com a produtora e apresentadora do programa Papo de Mulher, Alcione Marócolo, com o objetivo de se conhecer elementos da história dos programas e esclarecer objetivos daquele pelo qual ela é responsável uma vez que o mesmo não mostra limitação de conteúdo já no nome, como é o caso do Auto Papo.

Rádio Alvorada

A Rádio Alvorada, que transmite o Papo de Mulher e o Auto Papo, é sintonizada em 96,7, em Freqüência Modulada. A emissora pode ser captada, segundo consta de seu sítio na internet11, em uma região com mais de um milhão e meio de habitantes. Isso porque, conforme a emissora, seu sinal está “sendo transmitido para mais de 120 cidades localizadas num raio de até 150 km”, nos estados de Minas Gerais e do Rio de Janeiro.

De acordo com seus próprios dados, a emissora atinge de segunda à sexta-feira, das 6 às 19 horas, uma média de 1.782 ouvintes por minuto; seu alcance, em 30 dias, das 5 às 24 horas, é de 46.017 pessoas diferentes. O público é constituído por maioria feminina (52% do total), principalmente com idade até 34 anos (68%), seguido por ouvintes de 40 a 49 anos de idade (19%). Quanto à situação econômica, o público é principalmente de classe AB (46%); de classe C são 41% dos e das ouvintes; e DE são 13%.

Conforme divulga em seu sítio na internet, a Rádio Alvorada “destaca-se em Juiz de Fora, Zona da Mata Mineira e parte do estado do Rio, por apresentar uma programação ativa e voltada para um público formador de opinião”. Além disso, “diferencia-se de outras emissoras locais por atingir ouvintes de classe social A, B e C, principalmente entre 20 e 50 anos, com nível de instrução superior e economicamente ativa”.

Papo de Mulher

Papo de Mulher é um informativo de um minuto de duração (em média), veiculado quatro vezes ao dia, de segunda a sexta-feira. Na definição da própria rádio, é um “informativo em forma de uma conversa descontraída e abordando assuntos relacionados à beleza e estética ­feminina”.

O programa existe há cinco anos e tem como produtora e apresentadora a esteticista Alcione Magela Marócolo. Segundo ela (em entrevista a essa pesquisadora12), a concepção do programa também foi sua, que teve como inspiração o Auto Papo, que já existia antes do Papo de Mulher, na Rádio Alvorada.

“Eu achava que tinha uma fatia considerável de mulheres que estavam órfãs, em função de ser a maior parte que escutam a rádio serem mulheres”, conta Marócolo. Ela afirma que o objetivo do programa “é divulgar a estética, como um todo, de uma maneira mais ética possível, e também gerar um conhecimento gratuito pras milhares de ouvintes que nós temos”.

Para exemplificar, transcrevemos a seguir o texto de uma edição do Papo de Mulher, veiculada no período de nossa análise: “É verdade, quando os primeiros pés de galinha, vincos, ao redor da boca, começam a aparecer, a mulher sente que infelizmente está envelhecendo e isso a incomoda muito. O pior é a cobrança da sociedade que quer que sempre estejamos bonitas e jovens. Ora, a estética e a medicina podem fazer muito por você se esse é o seu caso. Como exemplo, eu vou citar três ações pra rejuvenescimento da face que podem ser utilizadas. Ok? Na área ao redor dos olhos e no meio da testa, o dermatologista aplicará o botox, que elimina as linhas de expressão relaxando a musculatura local. Nos vincos que pesam a fisionomia, pode-se fazer o preenchimento com restilane ou com polidimetilsiloquisane. O primeiro é derivado do ácido ialurônico, e o segundo é um óleo mineral da família do silicone. Pra finalizar, uma limpeza de pele seguida por um pilen de ácido glicólico a 20%, pra diminuir oleosidade, manchas e espinhas.” (Papo de Mulher, Rádio Alvorada FM, 23/01/2001, 14h38)

Auto Papo

O programa Auto Papo é um informativo sobre carros, também com cerca de um minuto de duração (em média), veiculado quatro vezes ao dia, de segunda a sexta-feira. Na definição da própria rádio, trata-se de “informativos abordando assuntos relacionados ao mercado automobilístico (lançamentos, dicas atuais, instruções para melhor utilização)”. O programa, veiculado há mais de cinco anos, tem como produtor e apresentador o jornalista Boris Feldman.

Também a título de exemplificar, transcrevemos a seguir o texto de uma edição do Auto Papo, veiculada no período de nossa análise: “Eu não sei quando é que nós vamos ficar livres do golpe do extintor de incêndio no carro. Quando digo golpe do extintor de incêndio, que devia a polícia intervir nisso, era a única solução de acabar com esse pessoal que chega bonitinho no posto de gasolina, vestidinho com um jaleco escrito Inmetro, e pedindo pra examinar seu extintor de incêndio. Aí ele fala: ‘oh, doutor; oh, madame, tá vencido, aqui ó, já tem mais de um ano.’ E não tem nada vencido. A carcaça do seu extintor de incêndio deve ser verificada a cada cinco anos. A cada ano você tem que olhar se o ponteirinho tá dizendo tem carga ou não tem carga. Não tem que trocar coisa nenhuma. Provavelmente eles vão tirar do seu carro, vão passar outro pro seu carro e o do seu carro vão vender pra outro. Agora, o problema é muito mais, vai muito além do funcionariozinho, que se diz do Inmetro, mas que é de alguma fabricante inescrupuloso de extintor, que na verdade, nem precisa mais de extintor de incêndio no carro, já virou um comércio desenfreado, inescrupuloso e irresponsável, porque não tem mais incêndio em automóvel, desde que acabou carburador e parou de pingar gasolina pra todo lado, isso já está comprovado e já está na hora de se pensar duas vezes e acabar com o extintor de incêndio, porque o Brasil é um dos últimos países do mundo que ainda exige essa bobagem dentro do carro.” (Auto Papo, Rádio Alvorada FM, 08/01/2001, 9h37)

Resultados

Quanto ao Papo de Mulher, no período determinado, foram analisadas ao todo 15 edições do programa. Confirme os critérios definidos para análise neste trabalho, percebeu-se que apenas cinco (um terço do total) tinham como tema “saúde”. Desses, dois se referiam a cuidados com a pele, citando o câncer de pele (a palavra “pele” apareceu em 60% das edições); e um se referia aos dentes enquanto indicativos de cuidado com a beleza – “dentes bonitos são um sinal de saúde e cuidado com a beleza” (Papo de Mulher, 9/01/2001). Câncer de mama e aids não foram mencionadas.

Nenhuma edição do programa citava a mulher trabalhadora. Apesar disso, uma edição foi classificada no item “trabalho”, mas está obscura, tanto que também foi a única considerada como “outros”. O texto é o seguinte: “E então? Já se recuperou da maratona de Natal? Ah, o cansaço é inevitável! Principalmente para quem está no comércio. Mas o melhor da festa é mesmo poder estar em família, encontrar as pessoas que amamos e que muitas vezes, durante o ano todo, deixamos de abraçar. Às vezes, um telefonema fica pra depois. É, por que que a gente é assim? Canibais de nós mesmos, antes que a terra nos coma. E por falar nisso, parece que o Barão Vermelho vai acabar. Uma pena. Bom, de qualquer jeito, não perca a oportunidade de colocar em dia a sua rotina de amor, com seus pais, seus avós, seus tios e primos e também, claro, com seus amigos.” (Papo de Mulher, 11/01/2001)

Duas edições do programa foram classificadas tanto em “saúde” como em “beleza”. Apenas em “beleza” foram consideradas sete edições. Dessas, cinco indicavam produtos industrializados, divulgando suas marcas e consumo – ainda uma outra edição, também classificada como “saúde”, sugere o consumo de cosméticos; e duas edições sugeriam o uso de produtos naturais ou outras formas de cuidado com a beleza. Se o objetivo do Papo de Mulher é divulgar a estética, como afirma sua produtora, podemos acreditar que esse foi alcançado.

Por outro lado, questionada sobre se “saúde”, “trabalho” e “cidadania” estão presentes no programa, sua resposta foi positiva. Quanto à saúde, Marócolo diz que está mencionando “o tempo todo, por acreditar que não existe beleza sem saúde”. Quanto ao trabalho, a produtora e apresentadora afirma que fala “do trabalho em si, da mulher fora de casa, do cuidado com os filhos”. Ela também acredita que o programa contribui com as mulheres, porque “hoje a gente vive o auge da estética no mundo, em que as pessoas se valorizam pelo que aparentam”, diante disso, Marócolo entende que o Papo de Mulher “contribui para que as pessoas estejam cada vez mais se preocupando com sua apresentação pessoal”. “Apresentação pessoal, hoje, é uma coisa muito importante pra você estar entrando no mercado de trabalho, pra estar se apresentando publicamente, então eu acredito que dessa forma contribui”, salienta.

Quanto à cidadania, Marócolo afirma que se preocupa com isso. Exemplifica lembrando que sempre fez campanha para economia de energia elétrica. Além disso, afirma que “toca no assunto de cidadania no sentido de que quando há eleição eu sempre procuro dar uma dica dentro do contexto de estética, da importância de você se envolver nas causas da sua comunidade”. Ela menciona que o assunto de preservação da cidade também é abordado; como exemplo cita que reparou que as pessoas levam seus bichos de estimação para passear, e esses sujam a cidade, o que não pode, pois prejudica outra pessoa.

No período de nossa análise, entretanto, não encontramos essas preocupações. Quanto à saúde, nem sempre está abordada e praticamente se restringe aos cuidados com a pele e beleza aparente; quanto ao trabalho e cidadania nada foi encontrado em relação à mulher.

Já quanto ao Auto Papo, no período determinado, foram analisadas ao todo 10 edições do programa. Conforme os critérios definidos para análise neste trabalho – que levou em conta o fato de o informativo restringir seu conteúdo temático a questões sobre carro -, percebeu-se que em três edições (30% do total) o apresentador dirige o programa a homens e mulheres, considerando portanto o público masculino e feminino, o que se identifica através da utilização de expressões como “meu caro ouvinte, minha cara ouvinte”, além de “doutor” e “madame” (esses últimos termos, no mesmo texto).

Por outro lado, no período de análise, pôde-se ouvir uma edição (10% do total) do Auto Papo em que a referência de público é apenas masculina. A maioria das edições, entretanto – as seis restantes (60% do total) -, não apresenta marca que indique ser o programa dirigido apenas para homens ou mulheres.

Conclusão

A análise de Papo de Mulher nos faz concluir que o programa cumpre o seu objetivo principal, que é divulgar a estética, segundo definição de sua produtora que é esteticista, maquiadora e consultora de beleza. Além disso, a análise confirma Buitoni que, focalizando veículos impressos, escreve que “as características de um programa feminino de rádio ou televisão são muito parecidas” com as daqueles. Ela afirma que “na verdade, os programas da mídia eletrônica estão calcados nas formas impressas” (1990:11) e essas, conforme Bocchini (2000:69), “são verdadeiras inimigas das mulheres, de sua autonomia, autodeterminação, individualidade, saúde, corpo e ­espírito”.

A constatação de que o programa praticamente se restringe à beleza também nos leva a pensar que o potencial de comunicação do veículo está sendo desconsiderado na construção de uma sociedade mais justa, que inclua a emancipação feminina. Afinal, enquanto Papo de Mulher sugere produtos de beleza e indica formas de cuidar da saúde da pele, “a aids é agora a primeira causa de morte de brasileiras com idade entre 15 e 49 anos”13. E as mulheres também continuam morrendo de câncer de mama e por conseqüência de problemas na gravidez e parto. Sobre isso, inclusive, Terezinha Martins da Costa14 aponta que o índice de mortalidade materna em Juiz de Fora é inaceitável, superando outros.

Bocchini (2000:65,66) salienta que em publicações femininas a saúde é praticamente deixada de lado e que nelas “não há qualquer referência ao sistema público de saúde, aos direitos das pessoas a esses serviços”. A autora escreve que “nosso corpo nos pertence, dizem as feministas”, mas “para as revistas femininas populares, o corpo existe para o outro, é um espaço de permanente correção, uma fonte constante de mal estar, visto que o modelo exigido é inalcançável. Tudo vai depender de você, dizem elas. Você, sozinha, deve se esforçar para fazer a dieta, acabar com a celulite, comprar cosméticos de primeira linha”. Situação semelhante encontramos em Papo de Mulher.

Entretanto, este é um programa de rádio, que, portanto, pode ter um alcance maior do que a mídia impressa. Assim, concordamos com a crítica de Balan e outros. Eles lembram que “as emissoras são concessões públicas da União” e salientam que “no entanto, as programações do rádio comercial brasileiro são desprovidas principalmente de vínculos culturais e de responsabilidade social” (p.59).

Essa responsabilidade, sem dúvida, passa pela situação da mulher na sociedade. A cidade que irradia Papo de Mulher, Juiz de Fora, não tem uma vereadora na Câmara Municipal. Afinal, um programa com esse nome e conteúdo pode indicar que a mulher não conversa sobre política, não quer saber sobre saúde e não trabalha fora nem em casa.

É bom lembrar que, em recente artigo, Frei Betto15 escreve que na esfera da moda a mulher “é condenada à anorexia, favorecendo uma nova exclusão sociocultural: a das gordas e feias, idosas e maltratadas pela carência. Essa mulher-objeto, fruto da manipulação estética de academias de ginástica, produtos dietéticos e medicina especializada, é desprovida de sentimentos, idéias, valores e projetos. Vale unicamente pelo aspecto físico. Saber requebrar na dança é mais importante do que saber pensar, e a ausência de gorduras e celulites importa mais que as qualidades morais e intelectuais” (p.17).

Vale citar que tivemos acesso a cartas de ouvintes do programa Papo de Mulher. Uma, bastante resumida, nos chamou particularmente a atenção. Nela, a pessoa ouvinte escreveu sobre o Papo de Mulher: “É um programa onde a mulher aprende a ser mais mulher”.

Entendemos que todo esse processo de coisificação a que a mulher está exposta, do qual faz parte esse programa de rádio, apenas reforça a situação atual, que inclui a violência física contra as mulheres, a violência dos salários mais baixos, da dupla jornada de trabalho, entre outras. Diante disso, nossa avaliação do programa é como a de Bocchini sobre as revistas femininas: Papo de Mulher é inimigo das mulheres, pois reforça valores conservadores.

Quanto ao Auto Papo, embora considere a mulher como ouvinte e como proprietária de carro, isso é apenas em uma parte de sua totalidade. Além do mais, em comparação com o Papo de Mulher e refletindo sobre seu formato, entendemos que o programa contribui para reforçar imagens tradicionais. Afinal, em uma audição menos crítica, podemos crer que papo de mulher é beleza e cuidados com a pele; já o papo de homem é alto e inclui a ser dono de automóvel.

Essa ligação entre os dois programas e a inferência mencionada nos remetem ao depoimento da pesquisadora Fúlvia Rosemberg, em 1977, à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre a Situação da Mulher. Na ocasião, entre outras coisas, ela afirmou que, na comunicação, “ao homem são reservadas as imagens de conquistador e de profissional; à mulher são atribuídos principalmente os papéis de sedutora, de dona de casa e de mãe. Percebeu-se, então, que os meios de comunicação, por mais diversos que sejam, reforçam imagens tradicionais, criando condições para que preconceitos e tabus sejam cada vez mais arraigados entre homens e mulheres, adultos e crianças” (Fúlvia Rosemberg, 1980:anexos)16.

Pensando nas dificuldades encontradas pelas mulheres, ainda hoje - quer seja no mercado de trabalho, na política ou mesmo no tocante à integridade física -, e pensando no potencial do rádio, avaliamos que os programas estudados precisam passar por alterações, que, aliás, não se resumem aos mesmos. Nesse sentido, concordamos com Balan e outros (p.59), para quem “pensar na mudança do contexto atual da radiodifusão é quase uma utopia... Mas precisamos crer nela!”. E fazê-la.

Notas

*   Os resultados e a análise da primeira parte desde trabalho – referentes apenas ao programa feminino – foram apresentados no III Encontro Enfoques Feministas e as Tradições Disciplinares nas Ciências e na Academia, realizado em Niterói (RJ), em setembro de 2001.

1   BOCCHINI, Maria Otilia. Valores conservadores em Ana Maria e Viva Mais! In: FARIA, Nalu e SILVEIRA, Maria Lucia (org.). Mulheres, corpo e saúde. São Paulo, SOF (Sempreviva Organização Feminista), 2000, p. 57-70.

2   SIQUEIRA, Flailda Brito Garboggini. A mulher margarina – Uma representação

dominante em comerciais de TV nos anos 70 e 80. Campinas (SP), 1995.

Dissertação de Mestrado em Multimeios, Instituto de Artes, Unicamp.

3   BUITONI, Dulcília Schroeder. Imprensa feminina. São Paulo, Ática, 1990.

4   LAHNI, Cláudia Regina. A presença das mulheres na imprensa sindical – Um

estudo da imprensa do Sindicato dos Professores de Campinas e Região.

São Paulo, 1999. Dissertação de Mestrado em Ciências da Comunicação – Jornalismo, Escola de Comunicações e Artes, USP.

5   CORAZZA, Helena. Comunicação e relações de gênero em práticas radiofônicas

da Igreja Católica no Brasil. São Paulo, 1999. Dissertação de Mestrado em Ciências da Comunicação, Escola de Comunicações e Artes, USP.

6   CORRAL, Thais e GUILHON, Madalena (org.). Fazendo gênero no rádio. Rio de Janeiro, Cemina, 1998.

7   Desde junho/2001 coordenamos o Programa de Mulher - veiculado pela Universitária FM e pela Mega FM (ambas comunitárias), em Juiz de Fora -, que apresenta questões como trabalho, cidadania, saúde e outras relativas à mulher.

8   ORTRIWANO, Gisela Swetlana. A informação no rádio – os grupos de poder e a determinação dos conteúdos. São Paulo, Summus Editorial, 1985.

9   BALAN, Willians Cerozzi e outros. O rádio digital avança no interior de São Paulo. In: BIANCO, Nélia R. Del e MOREIRA, Sônia Virgínia (org.). Rádio no Brasil –Tendências e perspectivas. Rio de Janeiro, Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Universidade de Brasília, 1999, p.41-59.

10  FOLHA DE SÃO PAULO. São Paulo, setembro de 2000.

11  http://www.radioalvorada.com.br - consulta feita em 11 de maio de 2001.

12  MARÓCOLO, Alcione Magela. Juiz de Fora (MG): entrevista concedida à pesquisadora para esse trabalho, realizada no dia 14 de setembro de 2001.

13  MULHER E SAÚDE. São Paulo: SOF (Sempreviva Organização Feminista), nº 27, maio-agosto de 2001, p.4.

14  COSTA, Terezinha Martins da. A mortalidade materna em Juiz de Fora: uma realidade que não pode mais ser ocultada. In: BRANDÃO, Elaine Reis. Saúde, direitos reprodutivos e cidadania (org.). Juiz de Fora , Universidade Federal de Juiz de Fora, 2000, p. 9-24.

15  FREI BETTO. Marcas de batom. Caros amigos, São Paulo, nº 54, setembro de 2001, p. 16-17.

16  ROSEMBERG, Fúlvia. Análise dos modelos culturais na literatura infanto-juvenil brasileira. São Paulo, Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundação Carlos Chagas – Brasília, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, 1980.