Mídia e violência urbana:
Apresentação da violência urbana
no telejornalismo e a leitura do público jovem de Brasília

Luanda Schramm

Aluna do Mestrado em Comunicação, Imagem e Informação da UFF

Resumo:  O presente artigo consiste numa tentativa de sistematizar as reflexões preliminares para elaboração da tese de mestrado. A pesquisa em questão é um estudo de recepção televisiva de notícias sobre crimes entre jovens de Brasília. O estudo da violência na mídia, tradicionalmente, se preocupa em detectar os efeitos que as cenas de violência teriam sobre o público. Neste trabalho, procuramos um referencial alternativo para compreender como as pessoas recebem e interpretam notícias sobre violência na televisão. Pretendemos estudar a violência a partir do fascínio que ela exerce sobre o público, e como os diversos membros do público interpretam a representação da violência a partir de seu contexto sócio-cultural. Entendemos a comunicação como um processo cultural, que não se encerra no momento de exposição às mensagens midiáticas, mas permeia todas as práticas de atribuição de sentido, num processo constante de negociação entre o mundo mídia e o mundo do público.

Introdução

Este artigo consiste numa tentativa de sistematizar as reflexões preliminares da pesquisa para elaboração da tese de mestrado. A proposta dessa pesquisa é realizar um estudo de recepção de notícias televisivas, entre grupos de jovens de Brasília. O trabalho visa analisar a representação da violência juvenil no noticiário, do ponto de vista do espectador, por meio de uma etnografia da audiência. A exposição se desdobra em cinco momentos interligados.

Primeiro, faremos algumas considerações sobre as implicações sociais do planejamento urbano de Brasília e dos desenvolvimentos não planejados, buscando mostrar que as configurações geográficas e as determinações históricas da cidade fornecem um cenário propício à violência.

No segundo item, pretendemos demonstrar que a violência criminalizada entre a população juvenil é multifacetada e tem raízes sócio-culturais particulares em cada cidade. Apresentaremos algumas formas de rivalidade institucionalizadas que canalizam a violência para atividades socialmente aceitas em outras cidades e as especificidades de Brasília em relação à violência juvenil.

No terceiro item pretendemos pontuar algumas questões acerca do estudos sobre mídia e violência, mostrando como a representação da violência na mídia vem sendo estudada. Também trataremos da perspectiva teórica adotada nesta pesquisa, que procura investigar a representação midiática da violência a partir da interpretação feita pelo público.

No quarto item discutiremos algumas questões sobre a representação do crime no gênero telejornal. Tentaremos mostrar que o modo como a TV se apropria dos conflitos e os reconfigura no telejornal é, em geral, fragmentado, pois a TV, ao se apropriar da violência, a retira de suas raízes históricas e culturais. Tal fragmentação pode resultar em um não-reconhecimento do público jovem nessas mensagens sobre violência, apesar dele estar imerso numa cultura de fascínio pela violência.

No quinto item trataremos da perspectiva teórica escolhida para fundamentar essa pesquisa. Situaremos o lugar da recepção nas pesquisas em comunicação, mostrando como o receptor foi adquirindo caráter de sujeito na medida em que a comunicação passou a ser estudada do ponto de vista da cultura. Aqui descreveremos brevemente a pesquisa de David Morley—Natiowide Audience—que será utilizada como modelo para este trabalho. Aqui é importante ressaltar que o que pretendemos verificar com a pesquisa empírica é que existem gradações de compreensão no público.

1-Brasília (lugar da pesquisa – Capítulo I)- Representações de Brasília – Exemplos do discurso da mídia.

Brasília é a única cidade do século XX que faz parte da Lista do Patrimônio Histórico da Humanidade. Foi tombada, sendo proibida qualquer alteração arquitetônica que ferisse o projeto original. No entanto, seu tombamento não impediu o desenvolvimento urbano desordenado contrário à concepção de seus idealizadores. Governos sucessivos modificaram a paisagem local gerando alguns problemas de urbanização.

Entretanto existem problemas decorrentes do planejamento que não foram previstos pela equipe do Projeto Brasília. É compreensível que uma cidade planejada para ser a redenção dos problemas sociais do país, não tenha conseguido cumprir a impossível missão de resolver desigualdades que têm raízes profundas. Segundo Luís Carlos Lopes, “Brasília foi fruto de um projeto que, ao realizar-se, defrontou-se, como qualquer teoria, com a mediação da realidade. Existem duas faces da mesma cidade. Uma no domínio da ideologia; outra, como peça real de nossa história”.1 Existe uma enorme discrepância entre a cidade idealizada e o país cheio de contradições e problemas sociais em que a cidade nasceu.

Brasília foi planejada para ser uma cidade do espaço público; as imensas áreas verdes bem distribuídas com calçadas e os prédios construídos sobre pilotis ajudariam a tornar o espaço urbano um espaço de convivência coletiva, de liberdade de locomoção. A estrutura urbana foi planejada de modo a abrigar o pedestre e priorizar o uso coletivo do espaço da cidade. Ao mesmo tempo, é ideal para o trânsito de carros particulares nas ruas e avenidas largas. O que, diferente de outros centros urbanos, não constitui um obstáculo à mobilidade dos transeuntes. Faixas de pedestres são de fato respeitadas pelos motoristas de carros particulares.

Brasília foi concebida para ser uma cidade ideal e moderna2. Suas ruas e avenidas de são designadas por letras e números. O sistema de classificação facilita a orientação pela cidade, além de torná-la acessível para pessoas de fora. Em 1 mês é possível a qualquer pessoa atenta se localizar na cidade sem se perder. Além disso, um número não particulariza tanto um local quanto um nome. “Uma rua com um número não carrega nenhum sentido que a defina além de seu lugar numa série3.

Estas características arquitetônicas promovem o compartilhamento dos espaços e produzem um ambiente heterogêneo. Esta heterogeneidade afirma-se especialmente nas diferentes origens dos moradores, pessoas vindas de todos os cantos do país. No entanto, nas subdivisões internas da cidade, o ambiente de cada quadra residencial é homogêneo em si e segmentado entre uma quadra e outra.

Uma questão importante desse enfoque geográfico é o destino de moradia segundo a categoria profissional. O que, no projeto de Lúcio Costa, seria uma medida para reduzir a gradação social4, produziu um efeito contrário. Diferenças insignificantes ganharam relevo e nitidez, e se tornaram fatores influentes na formação das identidades dos grupos e dos indivíduos. Isso gerou uma união interna e uma separação externa entre os moradores das superquadras. A organização de seu espaço urbano e de suas divisões pode ser vista como uma tentativa de ocultar as contradições da sociedade brasileira, apresentando um novo modelo de segregação ausente na maioria das cidades brasileiras.5 Segundo Lopes, “é ingênuo pensar que Lúcio Costa tenha desenhado uma cidade abstraindo os problemas da sociedade brasileira. A sociologia de sua proposta arquitetônica indica que ele sabia das dificuldades e problemas relacionáveis à miséria brasileira. Todavia, é inegável a presença de componentes utópicos em seu discurso6.

O Plano-Piloto foi concebido para ser a área de maior densidade populacional do DF. As cidades-satélites foram criadas com o intuito de abrigar os construtores de Brasília, e deveriam produzir hortifrutigranjeiros para abastecer o Plano-Piloto. Entretanto, o que se verifica, é que o crescimento rápido e descontrolado das satélites tem causado inúmeros problemas de urbanização. A maioria da população das satélites trabalha no Plano-Piloto, constituindo as chamadas “cidades dormitório”. As satélites mais recentes são pouco ou nada arborizadas e algumas carecem de condições mínimas de saneamento básico. Ao longo dos últimos dez anos, os congestionamentos de trânsito, o desemprego, a incidência de assaltos, o número de crianças de rua, e a violência urbana de uma maneira geral aumentaram vertiginosamente.

A profunda disparidade sócio-econômica entre o Plano-Piloto e as cidades satélites, bem como o posicionamento geográfico do Plano-Piloto aglutinando as demais Regiões Administrativas ao seu redor, gerou uma nítida divisão de classes no Distrito Federal. O Plano-Piloto é habitado majoritariamente por funcionários públicos. O alto custo de vida dessa região leva as famílias menos abastadas a residirem na periferia e garantirem seu sustento no Plano-Piloto.

Mas a violência urbana em Brasília não se deve unicamente à urbanização desordenada das cidades satélites. O próprio modo como a cidade (Plano-Piloto) foi planejada produz certas tensões e conflitos. Em cada Superquadra residem pessoas de uma mesma profissão. Por exemplo, a Quadra 106/norte é basicamente habitada por funcionários públicos de alto escalão; a 113/norte por militares; a 302/norte por deputados; e nas 400 sul e norte trabalhadores de classe média e funcionários públicos aposentados. Entre os jovens de Brasília é comum formarem-se grupos inimigos entre uma quadra e outra. Essas gangues se enfrentam em locais públicos e demarcam territórios pela cidade. (tribos, Ganges – Mafesoli).

2- violência e o jovem (capítulo II) Porque a violênciafascina? Os jovens tem outra espécie de fascínio (violência como mensgem para ele?)

A violência urbana juvenil se desenvolve de maneiras distintas em cada cidade. Existem formas institucionalizadas de rivalidade que canalizam essa violência para atividades socialmente aceitas. No Rio, por exemplo, a existência de bailes funk e torcidas organizadas de times de futebol representam e expressam a rivalidade entre os jovens. Embora a violência esteja presente nestes eventos, ela aparece, quase sempre, sublimada num clima festivo. Eventos de caráter festivo têm, de uma maneira geral, a vantagem de controlar a violência, e ‘domesticá-la’. Já em Brasília, o futebol e o carnaval são inexpressivos. Os conflitos são manifestadamente violentos e têm um caráter de vizinhança. Tais digressões têm o objetivo de ressaltar o caráter peculiar das manifestações de violência em cada cidade. Como esta pesquisa trata de Brasília, não é possível generalizar os resultados que serão obtidos para outros casos e outros contextos.

A escolha do público jovem tem dois motivos: primeiro porque a juventude é um período atribulado, de transição entre a infância e a vida adulta, quando as pessoas questionam os valores sociais tradicionais e em que a violência se desenvolve de uma maneira mais livre, ainda não domesticada, e até vangloriada. A violência também está presente microfisicamente na vida adulta, nas relações de poder da vida cotidiana ela adquire um caráter simbólico e sutil. Apesar da violência exercer um fascínio em pessoas de todas as faixas etárias, é na adolescência que ela se expressa de uma maneira mais livre, além da valentia ser o fator que confere maior status entre os jovens. Na vida adulta, as pessoas tendem a expressar publicamente a violência de maneiras mais sutis e simbólicas, portanto domesticadas. A segunda razão que justifica tal escolha é da ordem do recorte metodológico. A faixa etária escolhida nos permite promover uma identificação do público com os personagens das notícias, enxergando um fenômeno unificador nos conflitos de gangues inimigas. Apesar da fragmentação e descontextualização engendrada pela TV, o ambiente cultural de fascínio pela violência talvez possa contribuir para uma leitura que recontextualize os eventos. Herbert Marcuse7 considera a juventude enquanto “quase classe social, homogênea, com interesses e valores próprios (hiperconformismo ao grupo, desvios tolerados) e Maffesoli fala de tribos, que a despeito da efemeridade e falta de um projeto que vise alterações sociais, estas tribos procuram atribuir sentido a um nós, e buscam se localizar dentro de um sistema de relações para se reconhecerem e serem reconhecidas. 8

As galeras se formam não simplesmente porque compartilhem dos mesmos interesses, mas porque necessitam de estabelecer ligações que dêem sentido às suas próprias ações. O “ser junto” ou “estar junto” para Maffesoli capacita os indivíduos a afirmarem a si mesmos como sujeitos de suas ações. Logo, estes jovens estão envolvidos num processo contínuo de construção e reconstrução do sentimento deles próprios.

Aqui cabe fazer uma distinção entre três tipos de grupos de jovens9: galeras, gangues e quadrilhas. O termo galera remete às galères do subúrbio de Paris, são formações de caráter pouco organizado e atuação eventual, garotos que se unem por laços de amizade, sem hierarquia muito rígida. As gangues seriam formações mais hierárquicas, com rituais de iniciação, regras de conduta, etc. em geral, ao completar dezoito anos os garotos se afastam das atividades do grupo e são substituídos por outros. O termo gang é bastante utilizado para definir grupos rivais na cidade de Nova York, mas lá esse jovem tem laços étnicos mais forte e uma ligação maior ao bairro, devido à segregação social em guetos existente nesta cidade. O termo quadrilha diz respeito a grupos mais organizados, com participação eventual de integrantes adultos que veriam no grupo uma oportunidade de ascensão social e econômica.

Esta distinção é meramente analítica, portanto, artificial. Glória Diógenes afirma não haver nenhuma diferença concreta entre gangues e galeras10. Segundo a autora, nos meios de comunicação de massa e na fala do senso comum forjou-se uma definição de gangue como o lado violento dos grupos juvenis.

Em Brasília, porém, costuma-se utilizar o termo galera para denominar grupos de jovens unidos por laços de amizade. Galera, para os jovens de Brasília, é uma turma de amigos que costuma sair unida para se divertir. A gangue sai com o propósito de cometer algum tipo de delito, e mantém rivalidades com outras gangues, embora também se constitua numa turma de amigos: seus integrantes se conhecem desde a infância. O fenômeno das gangues é uma forma de sociabilidade bem brasiliense.

Pertencer a uma gangue é essencial para a formação da identidade de muitos jovens moradores de Brasília. Essas gangues têm códigos próprios que são compartilhados pelo grupo, bem como possuem regras de ingresso e rituais iniciáticos. A habilidade para lutar é a garantia de status e prestígio entre os amigos. As brigas constituem momentos decisivos na evolução da reputação entre esses grupos. São públicas. A adesão dos jovens às gangues pode ser compreendida como uma afirmação da identidade grupal que aparece associada à noção de ‘nós’, em contraposição à ‘eles’. Mesmo os jovens que não participam de uma gangue qualquer, relacionam-se com seus integrantes. “Essa relação se daria ou pela convivência com eles no dia-a-dia ou para se protegerem de outros grupos que os ameaçam”.11 Relacionar-se com as gangues, paraWaiselfisz, pode vir a ser uma estratégia de defesa.

Existem conflitos tanto entre Plano e satélite quanto entre as subdivisões internas de ambos. No Plano Piloto, a violência é do tipo molecular12, ou seja, ela se dá dentro de um mesmo segmento social, por isso ela é elitizada. Embora o que se estabelece são disputas intra-classe, a disposição arquitetônica ressalta as diferenças sutis entre classes, diferenças que seriam imperceptíveis num ambiente misto, e que, de fato, não chegam a produzir uma distinção muito clara, pois, afinal, os habitantes do Plano Piloto não são vítimas da exclusão social. As motivações dessas brigas podem estar calcadas em valores de um “ethos da masculinidade”13 que seriam alcançados por meio da atividade criminosa.

Já nas satélites a violência se dá num ambiente de exclusão social, seus moradores compartilham de uma situação de desvantagem em relação ao Plano, portanto encontram discursos socialmente sustentados para justificar a violência do ponto de vista da necessidade. É comum pensar a violência como resultado direto da miséria. Grande parte da literatura sobre a violência tem enfatizado a exclusão social como aspecto fundamental para entender o aumento de atos violentos nos grandes centros urbanos14. Entretanto, casos como o assassinato do índio pataxó Galdino Jesus dos Santos, demonstram de maneira contundente que a violência está cristalizada em todas as esferas da sociedade, não somente nos territórios estigmatizados como as periferias.

O caso Galdino levanta questões sobre o modo como a nossa sociedade representa e trata as diferenças sociais, raciais e culturais, os preconceitos existentes na elaboração de identidades. Um aspecto que se sobressai nesse crime é o fato de que os cinco jovens ricos atearam fogo em um índio, a pretexto de uma brincadeira, e alegando pensar que a vítima era um mendigo. O crime causou indignação na opinião pública e reforçou o estigma da cidade, que é seguidamente representada como símbolo de uma cultura de impunidade.

Essas considerações tiveram o intuito de explicitar algumas das múltiplas facetas da violência urbana juvenil de Brasília, com suas raízes sócio-culturais. Brigas de jovens acontecem em qualquer centro urbano do Brasil, mas a violência juvenil adquire características próprias em cada lugar. Como a violência urbana juvenil é multifacetada, é necessário perceber cada caso no seu contexto, cada contexto nos seus múltiplos aspectos, cada aspecto no seu processo específico. Daí a pertinência da singularidade das análises. Um estudo de recepção é uma análise singular que diz respeito a um grupo social específico, num momento determinado da história, que não pode—nem precisa—ser generalizada para outros casos para garantir sua validade.

3- estudos sobre mídia e violência (tipologias do “sensacional” na mídia). Banalização...

A tradição das pesquisas em comunicação concentrou suas investigações no estudo do poder e influência dos meios de comunicação. O foco das pesquisas concentrava-se nos “efeitos” das mensagens sobre o público. Por volta dos anos 50, no período pós-guerra, devido ao enorme sucesso do cinema e do rádio como meios de propaganda ideológica na Alemanha e Itália, principalmente, acreditava-se num poder ilimitado dos meios para moldar comportamentos e mudar atitudes nos leitores/ouvintes/espectadores. As investigações eram claramente influenciadas pela psicologia behaviorista, e os cientistas concebiam a comunicação como uma mera transmissão de informações. Os “efeitos” não eram de fato estudados, mas dados como certos. Acreditava-se numa relação direta e mecânica entre a exposição às mensagens e o comportamento do receptor.

As pesquisas sobre a violência nos meios de comunicação costumam adotar a mesma postura da tradição behaviorista. A principal pergunta dos estudos tradicionais de mídia e violência é: a freqüência das aparições de cenas violentas na mídia teria por conseqüência a adoção de comportamentos violentos pelo público? Tal pergunta busca uma resposta clara, quase sempre capaz de sustentar uma pré-concepção. Assim, se parte da idéia de que o que é apresentado nos meios de comunicação tem efeitos diretos sobre a conduta e os valores de uma pessoa, e que estes efeitos são perfeitamente observáveis pelo investigador.

Algumas pesquisas têm sido realizadas sem chegar a nenhuma conclusão, pelo menos no sentido que esperavam, pois não puderam verificar se os meios de comunicação têm alguma coisa a ver com o aumento da delinqüência e da falta de segurança. Tal impossibilidade não se deve à simples incapacidade dos cientistas, mas ao problema metodológico subjacente na base de quase todas as ciências humanas, que têm que lidar com comportamentos humanos, com valores e atitudes, sempre muito complexos e difíceis de medir.

Com o passar do tempo, as pesquisas empíricas chegaram a resultados que desmentiam esses pressupostos teóricos dados como certos, ajudando a relativizar o determinismo dos efeitos. Os resultados revelaram que os “efeitos” provocados pelos meios de comunicação de massa não são mecânicos, automáticos, nem irresistíveis. Nem podem ser vistos separadamente do mundo dos receptores. Argumentações mais sutis evidenciavam a complexidade dos elementos em jogo no processo comunicativo15. Mas o reconhecimento do caráter de sujeito do receptor é recente. Como assinala Klapper, “Las aguas relativamente plácidas del ‘quien dice qué a quien’ pronto se entubiaron com las questiones de predisposición de los auditorios y públicos, ‘auto-selección’ y percepción selectiva16.

Curiosamente, a maioria dos estudos efetuados sobre a representação midiática da violência, bem como as análises de conteúdo, se referem quase que exclusivamente à ficção e não à violência real, e esta, longe de suscitar críticas, é considerada por alguns autores como educativa. Assim, não se inclui, na maioria dos estudos, a violência que se encontra nos programas dedicados a esportes ou noticiários.

Os pesquisadores que acreditam ser possível determinar em alguma medida os efeitos das cenas de violência, embora partam dos mesmos pressupostos, não têm uma postura unívoca, mas apresentam atitudes diversas. Alguns falam de efeitos benéficos, quer dizer, acreditam que os telespectadores teriam nos programas uma válvula de escape para canalizar sua agressividade, numa espécie de adaptação moderna da catarsis de que falavam os gregos na antigüidade.

Outros falam que as cenas teriam um potencial traumatizante, especialmente no caso de crianças pequenas. Assim, para esta perspectiva, a preocupação não está na possibilidade de tais cenas poderem provocar de algum modo condutas violentas, mas na possibilidade delas produzirem algum trauma de ordem psicológica. Mas são poucos os autores que ainda sustentam tais teses.

Outra posição é a de que certos programas seriam “incitações primárias à má conduta e delinquência juvenil”(Cousin, 1949)17. Esta última postura aparece em várias versões, matizadas por alguns estudiosos: estas incitações se dão, ou são preocupantes naquelas pessoas com menos resistência psíquica ou moral, quer dizer, não deve-se temer nenhum efeito grave em espectadores considerados ‘normais’.

Existem também abordagens que postulam que os meios de comunicação são somente um reflexo da realidade. Se há violência nos meios é porque a realidade é violenta, e seria absurdo pensar que esta condição é construída unicamente pelos meios de comunicação. Alguns autores demonstram preocupação não por efeitos diretos e imediatos, e sim pelos que podem ser produzidos a longo prazo, numa sociedade acostumada a ver a violência como um fenômeno normal.

Muitas pesquisas se desenvolveram procurando determinar em que medida as representações de cenas violentas aumentam a agressividade dos telespectadores. Ainda que aumente o grau de agressividade, não é possível que isso repercuta necessariamente no incremento de atividades violentas ou na motivação para violência em alguns sujeitos.

Neste trabalho, não acreditamos que a análise da agressividade pode a limitar-se a este tipo de estudo, que procura medi-la no nível do comportamento. Alguns estudiosos opõem reservas à suposta ligação da violência nos meios de comunicação e a criminalidade. Nesta corrente, podemos discernir toda uma gama de opiniões, desde aquelas que expressam diretamente o sentimento dos donos e representantes dos meios, até outras que manifestam o pensamento de cientistas que se dedicaram seriamente a refletir e buscar evidências sobre o polêmico assunto, e não as encontraram.

Klapper e Burgelin18 são céticos diante dos estudos que ligam a violência nos meios de comunicação com a agressão, quer dizer, diante daqueles que demonstram um efeito imediato produzido pela representação de cenas violentas. Em linhas gerais, eles partem do princípio de que os meios de comunicação são utilizados seletivamente pelas pessoas, para reforçar suas orientações preexistentes, e acreditam que a seleção de programas opera de tal modo que a pessoa, entre as mensagens que lhe são oferecidas, escolhe aquelas que estejam de acordo com suas próprias opiniões e atitudes. A partir daí concluem que os meios de comunicação não podem ter uma influência decisiva sobre as ações de seus destinatários.

A fórmula elaborada por Wilbur Schramm: ‘o que é que a televisão faz com as crianças?’, foi invertida por esta linha de investigação, que percebeu que as crianças só são influenciadas pelos meios de acordo com sua situação psíquica e social, sem demonstrar em nenhum momento que esta situação social é produzida pelos meios.

Assim, não é possível demonstrar que as cenas de crimes e violências são causas primárias de condutas em tal sentido, ainda que pudessem complementar ou reforçar tendências preexistentes. Sobre uma pessoa adaptada socialmente tais conteúdos seriam inofensivos, e, mesmo para as pessoas inclinadas à agressividade, as cenas de violência podem servir de estímulo para a evasão e talvez para fantasias agressivas, numa espécie de sublimação da violência.

No clássico estudo dos pesquisadores britânicos Himmelweit, Oppenheim e Vince (1951), realizado no momento em que a televisão foi introduzida na Inglaterra, eles tiveram a possibilidade de estudar um grupo de crianças que jamais havia visto televisão. Nesta investigação, eles trataram de descobrir que tipo de violência assusta mais as crianças e, ao fazê-lo, demonstraram a fraca fundamentação de muitas idéias mantidas sobre este tema. Eles perceberam que o número de disparos, ou de episódios de agressão contidos num programa qualquer são menos importantes do que a situação em que a violência aparece, o modo de sua representação, e a complexidade que caracteriza os membros dos grupos em conflito. A violência em termos tradicionais, com desenvolvimento previsível, impressiona muito pouco as crianças, segundo os pesquisadores, já que são “simples versões do eterno caçar e ser caçado—índios e vaqueiros, polícias e ladrões—os mais antigos jogos infantis muito anteriores ao aparecimento da televisão19. A equipe de Himmelweit não detectou um comportamento mais agressivo, inadaptado ou delinqüente entre crianças telespectadoras do que entre os componentes do grupo de controle (quer dizer, não telespectadoras).

A conclusão é inquietante se considerarmos que este estudo, diferentemente de muitos já vistos, foi feito sem utilizar laboratórios ou situações artificiais, e num momento bastante oportuno. Não obstante, pode-se afirmar que já se passou mais de meio século após a publicação do trabalho e que o conteúdo violento dos programas aumentou tanto qualitativa e quantitativamente. Mesmo assim, estamos de acordo com Ferracuti e Lazzari, quando afirmam que ainda “Não existem demonstrações concludentes que sustentem o temor,..., de que a representação de cenas de violência provoque um efeito criminoso direto e imediato, nos sujeitos dotados de uma personalidade normal20. Portanto, não existem evidências claras o bastante para rechaçar ou demonstrar a idéia de que as cenas violentas modifiquem os valores, principalmente dentro de um complexo familiar ou cultural preexistente.

No entanto, é antigo o clamor da sociedade para conseguir alguma regulamentação capaz de colocar as crianças e adolescentes a salvo das influências perniciosas de certos programas de TV. Existe um temor generalizado de que a proliferação de cenas de violência altere valores morais e fomente desvios psicológicos nas personalidades em formação. Mesmo que no plano científico não se possa demonstrar o caráter nocivo da violência na televisão, pesquisadores céticos quanto ao poder incomensurável atribuído aos meios massivos, como Klapper e Himmelweit, posicionaram-se contra a exploração excessiva de cenas de violência nos meios de comunicação, sem no entanto pretender fundamentar cientificamente seus pontos de vista.

Em comparação com o passado e com a situação em outras sociedades, a violência, tal como a conhecemos atualmente nas sociedades industrializadas, se caracteriza notadamente pelo papel dos meios de comunicação de massa. Os produtores e donos dos meios de comunicação têm demonstrado crescente interesse em veicular programas que exploram cenas de violência, estimulados pelos altos índices de audiência que tais programas levantam.

Nosso mundo está repleto de atos violentos. Homicídios, sequestros, assaltos, etc, são demasiado comuns e as informações pertinentes engrossam diariamente as páginas dos jornais. Porém, como assinala Burgelin21, a violência conserva, na vida da maioria das pessoas, um caráter excepcional e escandaloso, quando por azar nos encontramos com ela. Não deixa de ser uma experiência extrema que a maioria de nós tenta sempre repelir. A violência física, principalmente, é uma ameaça constante que paira sobre todos nós. Todos os dias ocorrem atos de violência. É preciso afastá-la e se proteger dela. Mas a violência apresentada na televisão nem sempre causa temor, pois ela está longe, afastada. E, ao observá-la de longe, temos a impressão de que ela não ocorre conosco. O interesse crescente dos meios em veicular programas fartos em cenas de violência, estimulados pelos índices de audiência, sugerem que o público se sente atraído por tais cenas.

A pergunta que se fazia então é: tal aumento da representação da violência produz um aumento da violência na sociedade, ou a sociedade que é violenta e a mídia apresenta22 tal realidade social? A questão que pretendemos discutir nos limites deste artigo muda o foco da tradição das pesquisas sobre mídia e violência. Não se trata de perguntar pelos possíveis efeitos das mensagens televisivas. A questão que se coloca é por quê e como a violência exerce este fascínio sobre o público?

 A humanidade sempre participou do espetáculo da violência, nas torturas e execuções públicas, e a violência sempre foi apresentada nas narrativas populares (da Ilíada aos nossos dias). Todas as formas de execução pública vinculam-se à antiga prática do matar coletivamente. Suspeitamos que o fascínio que as pessoas sentem pela violência na televisão provém de uma inversão do medo de ser seu alvo, no prazer de vê-la afastada de si, de ter sobrevivido à ela. Na pista trilhada pelo autor búlgaro Elias Canetti, podemos perceber o fascínio exercido pela violência desde sua origem mais remota, compartilhada por toda humanidade, presente na ânsia de sobreviver: “o momento do sobreviver é o momento do poder. O horror ante a visão da morte desfaz-se em satisfação pelo fato de não se ser o morto”.23

Ninguém admite facilmente que sente prazer ao assistir à morte de outro ser humano; porém, segundo Canetti, “A repugnância ao matar coletivamente é de origem assaz moderna. Não se deve superestimá-la. Ainda hoje, pelos jornais, todos participam de execuções públicas. Como tudo, também isso fez-se apenas mais confortável. Sentado tranqüilamente em casa, o homem pode, dentre centenas de detalhes, deter-se naqueles que mais o excitam. (...) nem o mais leve vestígio de culpa turva o prazer. Não se é responsável por coisa alguma: nem pela sentença, nem pelo jornalista que testemunhou-lhe a execução, nem por seu relato, nem mesmo pelo jornal que publicou tal relato.”

O autor diz ainda que: “O assassinato permitido substitui todos aqueles aos quais se tem de renunciar.(...) um tal assassinato afigura-se irresistível à grande maioria da humanidade. Há que se notar a este respeito a ameaça de morte a que estão sujeitos todos os homens e que, sob os mais variados disfarces, atua permanentemente, ainda que não se lhe perceba a todo momento, torna necessário desviar a morte para os outros”.24

4- telejornal (Violência e TV)

A maneira a violência é noticiada pela TV é, em geral, fragmentada, sensacionalista e desvinculada de suas possíveis raízes sócio-culturais, como se fossem epifenômenos. Suspeitamos que isso não decorre de uma intenção deliberada dos jornalistas que reportam os conflitos, mas, talvez, devido à própria estrutura narrativa do telejornal, de suas condições de produção.

O telejornal é um gênero de caráter informativo e normativo. Ao representar a violência, o telejornal informa e nomeia se tal ou qual fenômeno é violento. Apesar de atuar como um reforço da ordem vigente, pode ser lido de maneiras diferentes por diversas comunidades de telespectadores, em função de seus valores e códigos interpretativos. Segundo Arlindo Machado, “Por mais fechado que seja um telejornal, há sempre ambigüidade suficiente em sua forma significante a ponto de impedir qualquer leitura unívoca”.

A televisão é regida por uma lógica mais temporal do que espacial, como o jornal impresso. A urgência não permite que se consiga informações suficientes para compreender os processos culturais subjacentes aos acontecimentos. A notícia televisiva, portanto, é um relato construído a partir das imagens e informações disponíveis de imediato. A TV só pode mostrar os fatos dos quais haja testemunhas, ou que possam ser gravados. Para John Fiske “O telejornal é uma montagem de vozes, muitas delas contraditórias, e sua estrutura narrativa não é suficientemente poderosa para ditar qual voz devemos prestar mais atenção.” 25 No mesmo sentido, diz Arlindo Machado: “o telejornal é uma colagem de depoimentos e fontes numa seqüência sintagmática, não chegando a constituir um discurso unitário. As informações veiculadas nesse gênero constituem um processo em andamento. Por mais que se queira manipular as informações, elas chegam ao telespectador ainda não inteiramente processadas, portanto brutas, contraditórias”. Dessa maneira, a contextualização histórica, social e cultural dos processos e personagens das notícias é, quando não inexistente, deveras superficial.

Henri Pierre Jeudy, filósofo francês, disse em conferência realizada no Hotel Glória, em 1993: “Hoje em dia a mídia provoca uma desrrealização do mundo, à medida que seu próprio funcionamento se baseia na produção do fascínio, que produz o efeito de uma fascinação perpétua. Posso dizer que a mídia “alucina o real”, no sentido que a distinção entre imagem e realidade tende a desaparecer.”26 Esse voyerismo coletivo faz com que a própria violência se torne uma espécie de espetáculo contínuo, espetáculo ininterrupto. A substância dramática e poética das mensagens, segundo Jeudy, permite que as pessoas se identifiquem com o que está acontecendo num mundo que é quase a “telenovela da realidade”—realidade na qual podem se identificar com os personagens.

O que acontece como notícia, portanto, é símbolo de si mesmo. Não há contextualização de seu sentido, de seu significado social. A imagem não representa o real, mas representa a si mesma. A deliquência é uma construção social e simbólica; na televisão apresenta-se o excluído social como potencial criminoso, fixando a imagem negativa desse grupo no imaginário da opinião pública. Alessandro Baratta27, “A imagem da criminalidade coloca em evidência e dramatiza apenas uma parte de um problema bem mais vasto, contribuindo para ocultar a parte do problema que atinge suas raízes sociais

5- estudos de recepção (dos estudos culturais aos estudos de recepção - revisão crítica dos estudos de recepção)

No início dos anos 60 um grupo de pesquisadores da Universidade de Birmingham, Inglaterra, se reuniu dando origem ao Center for Contemporary Cultural Studies. Os primeiros pesquisadores dos estudos culturais ingleses, Williams, Tohmpson e Hoggart, não faziam, especificamente, estudos de recepção. Eles faziam estudos de cultura. Eles procuravam perceber, nas manifestações culturais cotidianas da classe trabalhadora, formas de ação política nem sempre evidentes. Tais estudos buscavam desvelar as atitudes cotidianas de resistência e sugeriam que os usos sociais da mídia não obedecem, necessariamente, a lógica do poder.

Os estudos culturais consideram as estruturas sociais e o contexto histórico fatores essenciais para se compreender a ação dos meios de comunicação. Sua abordagem é predominantemente cultural, e o termo cultura, nessa perspectiva, não designa “uma prática, nem é simplesmente a descrição da soma dos hábitos e costumes de uma sociedade. Passa por todas as áreas sociais e é a soma de suas inter-relações28.

Mas o marco referencial dos estudos de recepção foi a publicação, em 1973, do artigo “Encoding/decoding in television discourse” de Stuart Hall. Nesse artigo, o ponto de partida é a compreensão da comunicação como um processo que envolve momentos distintos, porém interrelacionados (produção, circulação, distribuição, consumo, reprodução). Hall argumenta que o sentido das mensagens televisivas é produto da articulação dos momentos de codificação e decodificação. “Visto não haver uma correspondência necessária entre a codificação e a decodificação, a primeira pode tentar ‘pre-ferir’ mas não pode prescrever ou garantir a última, que tem suas próprias condições de existência (...) A codificação terá o efeito de estabelecer alguns limites e parâmetros dentro dos quais operarão as decodificações29.

Hall delineou três posições hipotéticas que o receptor pode ocupar: leitura preferencial ou dominante, leitura negociada e leitura oposicional. De acordo com Hall, “a mensagem televisiva é codificada de tal maneira que induz a uma leitura preferencial, restringindo o potencial de outras leituras”. A leitura preferencial é estruturada, no momento da produção, pelo discurso ideológico dominante. “Tais leituras trazem implícitas a ordem institucional política e ideológica30. Este ensaio continha implícito um projeto de pesquisa que foi desenvolvido posteriormente por David Morley.

Os estudos culturais consideram o receptor um produtor ativo de sentido, partindo do princípio que o leitor possui, de antemão, certas competências e conhecimentos culturais constituídos que são utilizados no momento da interpretação. São poucos os momentos em que as mensagens do texto são entendidas no seu sentido literal, aspectos denotativos e conotativos se misturam e possibilitam leituras diferenciadas. E, considerando que as mensagens são polissêmicas ou polivalentes, por vezes elas adquirem sentidos que escapam à consciência do produtor do texto.

David Morley publicou em 1978 “Everyday Television:Nationwide”, uma análise textual do noticiário popular Natiowide transmitido pela BBC para todo o Reino Unido. Após analisar a codificação das mensagens do programa, Morley decidiu pesquisar sua audiência para ver em que medida a mensagem era decodificada de acordo com as intenções do texto. Em “The Nationwide Audience: structure and decoding”31, publicado em 1980, sua maior preocupação era avaliar como a interpretação individual de programas de TV pode estar relacionada ao nível sócio-cultural. Ele estava investigando o grau de complementariedade entre os códigos do programa e os códigos interpretativos de vários grupos sociais, e como as decodificações se posicionam dentro dos limites da leitura preferencial (ou dominante) em que a mensagem foi inicialmente codificada.

Nesse estudo, Morley reelaborou as três posições hipotéticas que o leitor de um programa pode ocupar propostas por Hall, São elas:

    leitura dominante (ou hegemônica): O leitor compartilha o código do programa (seu sistema de valores, atitudes e crenças) e aceita a “leitura preferencial” do programa (uma leitura que pode não ter sido resultado de um intenção consciente e deliberada por parte dos produtores do programa).

    leitura negociada: o leitor não compartilha totalmente o código do programa e só parcialmente aceita a leitura prefencial, mas modifica de uma maneira que reflete sua posição e interesses.

    leitura oposicional (ou resistente): o leitor não compartilha o código do programa e rejeita a leitura preferencial, trazendo à tona uma estrutura alternativa de interpretação.

Morley argumenta que “membros de um sub-grupo qualquer tenderão a compartilhar uma orientação cultural sobre mensagens decodificadas de maneiras particulares. Suas leituras individuais das mensagens serão estruturadas por práticas e formações culturais compartilhadas32 . Segundo ele, “Para entender os sentidos potenciais de uma mensagem qualquer é necessário um mapa cultural da audiência para quem a mensagem é destinada—um mapa mostrando os vários repertórios culturais e recursos simbólicos disponíveis aos sub-grupos diferentemente posicionados dentro da audiência. Um tal mapa ajudará a mostrar como os sentidos sociais de uma mensagem são produzidos através das interações dos códigos embutidos no texto com os códigos habitados pelas diferentes seções da audiência33.

A leitura preferencial fixa parâmetros à diversidade de leituras potenciais, estruturando o acesso aos diferentes códigos. Logo, o sucesso de um programa em transmitir o sentido dominante ou preferencial vai depender da maneira que ele encontra os leitores, com códigos e ideologias derivadas de áreas institucionais que correspondem aos códigos do programa, ou então com códigos provenientes de outras áreas institucionais que entram em conflito, em maior ou menor medida, com os códigos do programa.

Morley afirma não tomar uma posição socialmente determinista na qual interpretações individuais de programas de TV são reduzidas a uma consequência direta da classe social do leitor. É imprescindível situar o leitor histórica, social e culturalmente, mas essa contextualização não nos autoriza a deduzir reações mecânicas. Pois a recepção não é sociologicamente determinada e compartimentada. Identidades socialmente estabelecidas não determinam rigidamente identificações pessoais nem posições políticas. Não existe um espectador racial, cultural ou ideologicamente determinado, pois tais categorias são socialmente imprecisas e escondem a diversidade características de todas comunidades.

Porém, emissor e receptor não podem ser vistos como indivíduos isolados e abstratos, mas como lugares sociais. O indivíduo fala sempre a partir dos interesses materiais e simbólicos de sua classe. Logo, na interação social que se estabelece no processo comunicativo, cada pessoa é uma unidade referencial, com espaços, concepções e preconceitos próprios.

A noção de resistência pretende romper com a idéia da passividade do receptor. Não deve ser entendida como um obstáculo para a compreensão, mas como a última liberdade de que dispõem as ‘massas indefesas’. Vale ressaltar que “leituras resistentes dependem de uma certa preparação cultural ou política que motive o espectador a ler criticamente”. Como diz Robert Stam, comunidades desprovidas de poder conseguem decodificar a mensagem dominante numa posição de resistência, “na medida em que a própria vida coletiva e a memória histórica da comunidade lhes proporcionam um referencial alternativo de compreensão34. O que é fundamental nessa noção de resistência é o reconhecimento do caráter de sujeito do receptor. No entanto, não podemos cair num populismo ingênuo—acusação dirigida a alguns estudos de recepção—que acredita que o leitor faz o que bem entende com a mensagem, como um autista, pois existem limites sociais muito fortes ao poder do consumidor.

Tal concepção autista do leitor não leva em conta a concentração econômica dos meios e a reorganização do poder ideológico da hegemonia política e cultural; ela não leva em conta o poder do texto, que não é absoluto, mas também não é inexistente. É necessário, portanto, ligar a recepção com as estruturas e as condições de produção das mensagens, para se compreender o que faz o receptor.

Como juntar essa teoria com o seu objeto?

“gestos do público” a apropriação diferenciada da mensagem. Interpretação (Ricouer – representação)

Metodologia –aplicação.

Como eles se apropriam das mensagens? Que entendimento eles têm de forma diferenciada?Processos de identificação se são revelados pela apropriação?

Referências

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DIÓGENES, Glória. “Cartografias da cultura e da violência” editora Annablume 1996

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KIERSZENSON, Julio. “Medios de comunicación social y criminalidad” Texto apresentado no “I Congreso latinoamericano sobre medios de comunicación social y prevención del delito” realizado em Cali, Colômbia, em 1979. Disponível na Revista de Informação Legislativa do Senado Federal, Brasília, ano 16 nº61, p.11

LOPES, Luís Carlos. “Brasília, o enigma da esfinge”. Editora Unisinos, P. 34

MACHADO, Arlindo “A televisão levada à sério

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MORLEY, David The Nationwide Audience: Structure and Decoding. London: BFI, 1980

STAM, Robert. Da Família Imperial ao imaginário Tranacional—o consumo dos meios na era da globalização” In: Comunicação e Política vol.2 Nº 4

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ZALUAR, Alba. “Gangues, Galeras e quadrilhas: globalização, juventude e violência” In: VIANNA, H.(org.) “Galeras cariocas”. Rio de Janeiro, ed. UFRJ, 1997

JEUDY, H.P. e BARATTA, A. “Mídia e violência Urbana” editora Faperj (Seminário realizado no Hotel Glória em1993)

Notas

1   Luís Carlos Lopes. “Brasília: O enigma da esfinge” editora Unisinos. 1996

2   idem

3   Janice Caiafa. “Espaço, trânsito e linguagem nas ruas de Nova York” Revista Contracampo v.05 p.34

4   Luís Carlos Lopes. “Brasília, o enigma da esfinge”. P. 34

    Segundo Lopes, Lúcio Costa “acreditava que o agenciamento urbanístico fosse capaz de garantir o conforto social a que todos têm direito.” (nos termos do relatório do urbanista)

5         Júlio Jacobo Waiselfisz. “Juventude, violência e cidadania: os jovens de Brasília”. Editora Cortez SP 1998

6         Luís Carlos Lopes. “Brasília, o enigma da esfinge”. P. 34

7   Marcuse, H. “Ideologia da sociedade industrial”. Rio de Janeiro, Zahar, 1968.

8   Maffesoli, M. “O tempo das tribos: O declínio do individualismo na sociedade de massas” Rio de Janeiro, Forense-Universitária 1987.

9   essa distin”cão foi proposta por Alba Zaluar, no texto “Gangues, galeras e quadrilhas: globalização, juventude e violência” in Vianna, H.(org) Galeras Cariocas. Rio de Janeiro ed. UFRJ, 1997

10  Glória Diógenes. “Cartografias da cultura e da violência” editora Annablume 1996.

11  Júlio Jacobo Waiselfisz. “Juventude, violência e cidadania: os jovens de Brasília”. Editora Cortez SP 1998

12  Alba Zaluar “Gangues, Galeras e quadrilhas: globalização juventude e violência”

13  idem op.cit.

14  Júlio Jacobo Waiselfisz. “Juventude, violência e cidadania: os jovens de Brasília”. Editora Cortez SP 1998

15  J. T. Klapper já havia relativizado a eficácia dos meios de comunicação de massa, na obra “The Science of Human Communication” New York Basic Books, 1963. Klapper falava de predisposições já existentes e na capacidade interpretativa dos indivíduos.

16  apud Kierszenson, Julio. “Medios de comunicación social y criminalidad”. Texto apresentado no

    I Congreso latinoamericano sobre medios de comunicación social y prevención del delito” Cali, Colômbia, 1979. (disponível na Revista de Informação Legislativa do Senado Federal, Brasília ,ano 16 nº61)

17  idem

18  apud Kierszenson, Julio. op.cit.

19  Himmelweit, Oppenheim e Vince, apud Kierszenson, Julio.op.cit

20  Ferracuti e Lazzari apud Kierszenson. op.cit.

21  Burgelin apud Kierszenson op.cit.

22  Acreditamos que a mídia precisa ser estudada dentro do contexto social mais amplo em que ela está inserida, embora não aderimos totalmente à postura que atribui uma natureza meramente especular à mídia. A mídia, na perspectiva adotada neste artigo, é um espelho da cultura, mas não da realidade; pois, ao construir um relato sobre a realidade, os meios enquadram esta ‘realidade’ (que não passa de uma interpretação) numa moldura que reflete os padrões e valores culturais presentes na sociedade.

23  Canetti, Elias. “Massa e Poder”. Editora Companhia das Letras, São Paulo, 1995 p.227

24  Canetti, idem op.cit. p.48

25  apud Arlindo Machado “A televisão levada à sério

26  Henri Pierre Jeudy. in: Mídia e violência urbana. Ed. Faperj

27  pesquisador italiano que também participou da conferência “Mídia e violência urbana”.

28  Stuart Hall. “Encoding/decoding in television discourse” Cap. 10. p. 128-138.

29       Idem

30  Idem

31  David Morley. The Nationwide Audience: Structure and Decoding. London: BFI, 1980

32       Idem

33  Ibdem

34  Robert Stam. “Da Família Imperial ao imaginário Transnacional- o consumo dos meios na era da globalização” In: Comunicação e Política vol.2 Nº 4.