“De Passagem pelos Estúdios”
A
Presença Feminina no Início do Rádio
no Rio de Janeiro e São Paulo 1923 a 1943
Tereza
Cristina Tesser
Universidade Católica de Santos (UniSantos)
Faculdades Integradas de São Paulo (Fisp)
Durante
o período de l923 a l943, muitas mulheres se destacaram nas mais diversas
atividades. Enfrentaram desafios de uma época em que o trabalho feminino era
restrito ao lar. Dentro do contexto histórico surge a atuação das pioneiras em
diversas manifestações culturais, sociais e profissionais. Num período em que o
trabalho feminino ficava restrito ao lar, a pesquisa apresenta artistas que
atuaram como cantoras, atrizes e locutoras. Mulheres que enfrentaram
preconceitos e participaram efetivamente da implantação de uma programação
radiofônica.
Pela
falta de bibliografia este registro oferece uma contribuição documental que
auxiliará estudantes, pesquisadores e profissionais de comunicação. E, também,
uma forma de homenagear aquelas que colocaram suas vozes a serviço do Rádio.
Carmem
Barroso, em seu livro Mulher, Sociedade e Estado no Brasil mostra a
importância de um estudo aprofundado: “As mulheres não permaneceram omissas ou
passivas, ao longo da história nacional. Na verdade, as pesquisas sobre a
condição feminina que estão sendo realizadas demonstram que se tratou menos de
um silêncio por parte das mulheres, do que o silêncio imposto pela reconstrução
histórica, pela ausência de documentação ou sua presença em documentos
manuscritos de difícil acesso”
Descrição
Esta
pesquisa avançou a temática com estudos comparativos e confrontos de materiais
existentes. Na história do Rádio poucas vezes a mulher é citada como atuante e
presente. Dando a impressão de que esse universo era preenchido apenas por
homens. Separamos as várias atividades desenvolvidas pelas mulheres e os
programas de calouros, o humorismo e as apresentadoras de programas femininos e
infantis.
Resgate
histórico
Ao
explicar o papel da mulher nos vinte primeiros anos do Rádio contamos também a
sua história. “Compreender a importância do Rádio para um país em
desenvolvimento é uma necessidade. Interpretar o papel que o Rádio vem desempenhando
nesse contexto é uma exigência que se impõe não apenas aos profissionais da
comunicação mas a todos os intelectuais comprometidos com o desenvolvimento
brasileiro”, explica Maria Sallet Tauk Santos, nos Cadernos Intercom, número
08.
A
presença feminina, em determinado momento, vem subverter a ordem vigente. O
reflexo que surge aí não é apenas o da classe média bem comportada, mas também
a sua parcela mais emergente, que fugia dos padrões impostos.
Metodologia
Dado
ao caráter inédito da pesquisa a grande dificuldade foi conseguir material
bibliográfico especializado. Apelamos para as revistas que dedicavam espaço aos
artistas da época.
Lemos
e analisamos, uma a uma, as revistas Carioca, A Cena Muda, Careta, Flama,
Fon-Fon, Walkyrias, Revista da Semana, O Malho, Radiolândia e Revista do Rádio.
Com as informações obtidas, confrontando e comparando os dados, realizamos um
mapeamento da vida e das atividades desenvolvidas pelas artistas. Reunir todo
esse material foi um trabalho cansativo e gratificante, procurando informações
nos textos nos sentíamos (re)escrevendo a história. Pesquisamos biografias de
artistas famosos, como: Ari Barroso, Almirante e Noel Rosa. Nelas conseguimos
alguns elementos para chegar às informações desejadas. Além disso, foram consultados
livros sobre a história do Rádio e da Música. Os depoimentos de artistas que
atuaram no Rádio foram registrados, porém forneceram informações carregadas de
emoção, sem rigidez nos dados históricos.
Análise
de Resultados
Somente
após a Revolução de 1930, a mulher teve o direito de votar e ser votada. A
primeira voz feminina a ser ouvida no Congresso Nacional foi a da médica e
deputada Carlota Pereira de Queiroz. Em seu discurso afirmou ser uma brasileira
integrada nos destinos do País e identificada para sempre com seus problemas.
Em
1933 Bertha Lutz, passou a integrar a Câmara Legislativa, como suplente.
Elaborou junto com Carlota Pereira de Queiroz, o Estatuto da Mulher, que entre
outras coisas ampliava a licença maternidade para três meses; concedia à
trabalhadora o direito a dois períodos diários para amamentação, de meia hora
cada um, durante os 6 meses iniciais da vida do bebê; além da proposta de
assegurar à mulher casada, 10% da renda do casal para despesas em atenção aos
serviços por ela prestados ao lar. Nesse período, o cinema aparecia com
“Bonequinha de Seda” da Cinédia inspirado nos espetáculos hollywoodianos e
tendo Gilda Abreu como atriz principal. O filme bateu recordes de bilheteria.
Em 1936, “Alô, Alô Carnaval”, com Carmem e Aurora Miranda, torna-se um sucesso.
Em 4 de abril de 1939, Carmem partiu para os Estados Unidos a convite do
empresário Lee Shubert.
O
tempo nas ondas do Rádio
Para
comemorar o Primeiro Centenário da Independência do País, a capital Rio de
Janeiro sediou uma grande exposição, com o que havia de mais moderno em
tecnologia. A maior surpresa para os visitantes foi a audição de músicas e
vozes por alto-falantes, até então desconhecidos, interligados pela Companhia
Telephônica Brasileira.
Roquete
Pinto ficou entusiasmado e decidiu lutar para que o Governo investisse nessa
idéia. Tinha a profunda convicção do valor informativo e cultural do sistema.
Por esse motivo, em 20 de abril de l923, junto com o professor Henrique Morize
organizou a primeira estação, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro.
O
Rádio nasceu como um meio de elite e não de massa. No princípio tudo era
realizado de forma amadora. Uma sociedade, um grupo de amigos que pagava uma
determinada importância para a sua manutenção.
Difundir
a cultura era o principal objetivo do Rádio. Através do som e das vozes, mexia
com o imaginário dos ouvintes. Quando de sua implantação no Brasil, os artistas
precursores lutaram com muita dificuldade e a improvisação foi a escola desses
pioneiros. Certos nomes, que depois se tornariam famosos, compareciam
diariamente e em determinados programas para se tornar conhecidos. Ironizando
esse fato, Lamartine Babo e a pianista Carolina Cardoso de Menezes andavam
pelas estações com o clássico número “de passagem pelos estúdios”. O que
inspirou Lamartine a criar um texto satirizando a maneira com que os locutores
anunciavam os artistas. “PRKK-Rádio Necessidade do Rio de Janeiro. Dezoito
horas no relógio do chaveco de um guarda-noturno. Senhor Neris de Tupiniquins,
de passagem de segunda classe pelos nossos estúdios...”
Cantoras da sociedade
Os
primeiros anos do Rádio foram muito difíceis. A programação era baseada,
praticamente, em música clássica e ópera. Discursos inflamados sobre a cultura
e o progresso do País, com um elenco formado por intelectuais especialmente
convidados a título de colaboração.
A
presença feminina ficava restrita às professoras de música e canto que levavam
suas alunas da sociedade para mostrar seus dotes artísticos. Como exemplo
destacavam-se a cantora Stefânia de Moraes e as “meios sopranos” Heloisa Bloem
Mastrangole e Maria Bianchi.
O Rádio começa a
se fortalecer no final de l926. Entre as cantoras que disputavam a preferência
dos ouvintes estava Elisinha Coelho, nascida em Uruguaiana, Rio Grande do Sul.
Recebeu de Heckel Tavares o título de “o pássaro cantor”. Gravou cerca de 30
discos e entre seus maiores sucessos estão “Caco Velho” e “Rancho Fundo” de Ari
Barroso. Era comadre de Carmem Miranda madrinha de seu único filho, o
jornalista Goulart de Andrade.
Radiomania
A
partir da década de trinta o Governo Federal percebeu o poder do Rádio. E em lº
de março de l932 regulamentou o decreto que permitia a veiculação de
propaganda. O Rádio comercial antecipou o que a televisão veio exercer no
público e motivou uma legião de fãs em todo País. Para atender esse novo papel,
não podia viver mais de improvisação e começou a estruturar-se como empresa,
investindo numa programação mais profissional e podendo contratar artistas e
produtores.
Surge
nessa época Marília Batista. Além de sambista conseguiu grande prestígio como
repentista. No Programa Casé, improvisava versos junto com Noel Rosa em cima da
música “De Babado”. A imprensa elogiava Marília que mostrava o samba criado nos
morros cariocas com uma interpretação diferente.
Menina,
Dalila de Almeida, em l934 tocava piano e tinha uma voz agradável e expressiva.
O maestro Arnol Gluckman, da Rádio Clube do Brasil, se interessou pela cantora
e orquestrou todo o seu repertório. Ela estreou com “Ao voltar do samba”, de
Sinval Silva. Em 3 de janeiro de l935 tornou-se a Rainha do Rádio, derrubando
concorrentes como Aracy Cortes, Carmem Miranda e Marília Batista.
O
samba, em l934, tinha uma grande estrela, Odete Amaral, “A Voz Tropical”.
Começou na Rádio Guanabara e atuou em diversas emissoras, sendo a primeira
cantora a ser contratada pela Nacional. Casou-se com o cantor Ciro Monteiro.
Nesse período, um nome já recebia o reconhecimento nacional: Aracy Telles de
Almeida. Nasceu em l9 de julho de l9l4, no subúrbio de Encantado, e cantava em
Igrejas Batistas. Com l5 anos conheceu Custódio Mesquita, que a levou para a
Rádio Educadora. No início, seus pais foram contra pois temiam a opinião dos
vizinhos. Em l935, gravou pela primeira vez um samba de Noel Rosa: “Sorriso de
Criança” e tornou-se a maior intérprete do compositor.
Outra
cantora que marcou presença foi Dalva de Oliveira. Ela trabalhava numa fábrica
de chinelos, quando conheceu Milonguita, sócio da fábrica e cantor de tangos na
Ipanema. Dalva fez um teste e foi aprovada. Passou a receber 30 mil réis por
hora. As emissoras não tinham contrato de exclusividade e ela se apresentou em
várias, até chegar à Mayrink Veiga em l935, como uma jovem e já experiente
cantora.
Dircinha
Batista cantou pela primeira vez na Rádio Educadora de São Paulo e gravou seu
primeiro disco aos 7 anos de idade. Canções: “Borboleta Azul” e “Dircinha” de
autoria de seu pai Batista Junior. Seu primeiro contrato foi firmado na Clube
do Brasil e aos 11 anos era a princesinha do Rádio. Adulta cantou no “Programa
Francisco Alves”. Trabalhou no filme “Alô, Alô Brasil”, cantando a marcha
“Menina Internacional”.
Uma
artista de muito destaque, em l935, era Linda Batista. Nascida em 1919, em São
Paulo, Florinda Grandino de Oliveira (nome de batismo) surgiu no Rádio depois
da irmã Dircinha. Seu primeiro sucesso foi “Bis Maestro”. Recebeu o título de
Rainha do Rádio em 18 de fevereiro de 1935, - o mais longo reinado do Rádio, -
durou 12 anos.
“A
Diferente”. Dessa forma Cesar Ladeira batizou Silvinha Melo, que atuava nos
programas diários da Difusora e Educadora Paulista. No Rio de Janeiro fez parte
do elenco da Ipanema, Cruzeiro do Sul, Mayrink Veiga e Transmissora.
Interpretava canções folclóricas. Oferecendo a São Paulo belos números
musicais, Alzirinha Camargo chegou a cidade em 1934. Estudava na Escola Normal
de Itapetininga e era solista de Orpheon. Seus familiares aconselharam a cantar
no Rádio. Ingressou na Educadora, passou para a Record, Cruzeiro do Sul e
depois foi inaugurar a Difusora. A primeira música que cantou foi “Moreninha
Brasileira”, de Joubert de Carvalho. Depois, partiu para o Rio de Janeiro e, em
1935, estava atuando na Tupi, onde lançou a marcha “Querido Adão”. Uma das
artistas mais respeitadas do Rádio foi Hilda Campos Soares da Silva, que
assumiu o nome artístico de Leny Everson, quando, em 1936, foi convidada para
uma temporada na Tupi do Rio e no Cassino da Urca.
O
“Glamour” da Cidade Maravilhosa tornava o Rio de Janeiro o principal centro
cultural do País. Várias mulheres se destacavam nos mais diversos gêneros.
Entre elas estavam Clarita Damasceno, que participava do “Programa do Almoço”,
na Mayrink. Dulce Wegthine interpretava canções americanas na Clube do Brasil.
Melita Moura, intérprete da Cajuti. Silvia Toledo cantava em vários idiomas na
Guanabara e Fluminense. E Davina Silveira que iniciou sua carreira na Mayrink
apresentando-se no programa de estúdio diurno.
A primeira chance: Ser Caloura
Os
primeiros programas de calouros surgiram no início da década de trinta a partir
de uma idéia importada dos Estados Unidos, forma de entretenimento e também uma
maneira de descobrir novos valores para o Rádio. O primeiro programa que se tem
notícia foi apresentado na Cruzeiro do Sul de São Paulo, por Celso Guimarães. O
nome foi dado por Ariovaldo Pires. Ele lembrou dos trotes a que os veteranos do
Grêmio XI de Agosto submetiam os alunos novatos da Faculdade de Direito de São
Paulo, e percebeu que os candidatos ao Rádio também não passavam de calouros.
Nesse gênero Renato Murce foi um dos apresentadores que mais revelou talentos.
Entre esses artistas estavam Adelaide Chiozo, que iniciou no “Papel Carbono”;
Ademilde Fonseca que no dia de seu teste interpretou “Camisa Amarela” e “Batucada
em Mangueira” e também Neide Martins. A cantora Ellen de Lima também iniciou
sua carreira no programa de Murce, imitando a cantora Heleninha Costa. Depois
participou dos “Calouros do Ari Barroso” e do “Pescando Estrelas”, de Arnaldo
Amaral.
Esses
programas revelaram talentos como Violeta Cavalcante, Zezé Gonzaga e a “rainha
do baião” Carmélia Alves, que imitava como caloura, a cantora Carmem Miranda e,
por isso, foi escolhida por Cesar Ladeira para ocupar o horário da pequena
notável na Mayrink Veiga.
Em
São Paulo as programações apresentavam artistas novos. Assim surgiu Isaurinha
Garcia. Iniciou na Record aos 12 anos de idade cantando o samba “João Ninguém”.
Depois, Otávio Gabus Mendes a convidou para cantar nos programas de domingo.
Isaurinha recebeu do apresentador Blota Júnior o título de “A Personalíssima”.
Tinha um sotaque bem paulistano e recusou todas as propostas para se transferir
ao Rio de Janeiro. Foi contratada da Record durante 32 anos, até se aposentar
em 1970. Sua primeira gravação foi o anúncio do saponáceo Radium. E seu
primeiro grande sucesso foi “O Sorriso de Paulinho”, de Gastão Viana e Mário
Rossi, em 1942.
Drama e Humor
No
início dos anos 30, o sucesso do Rádio obrigou as emissoras de São Paulo e Rio
de Janeiro a diversificar suas programações. As peças teatrais antes
transmitidas na íntegra perdem audiência fazendo surgir o Radioteatro, onde se
destacam: Oduvaldo Viana, Otávio Gabus Mendes e Manuel Durães. É creditado a
Oduvaldo Viana a introdução da novela nas emissoras Paulistas, gênero que a
princípio fora recusado nas emissoras cariocas.
No
Rio de Janeiro, o Programa Casé apresentava em 1932, na Mayrink Veiga a
adaptação da peça “O Conde de Monte Cristo. Iniciava-se, então uma fase de
romances teatralizados. E mais tarde o “Teatro Sherlock”, com as aventuras do
detetive, e escrito por Heloisa Lentz de Almeida. Depois, ela foi para a
Nacional escrever “O Mundo e as Emoções”, no mesmo gênero. As peças
teatralizadas e os esquetes radiofônicos passavam a ser muito apreciados nas emissoras
cariocas. A atriz Alma Flora tornou-se um dos destaques do gênero na Rádio
Sociedade. A Mayrink Veiga tinha um grande elenco de Radioteatro. Entre as suas
estrelas estava Cordélia Ferreira, casada com Plácido Ferreira criador do
“Teatro Pelos Ares”. É considerada a nossa primeira radioatriz .O Radioteatro,
no Rio de Janeiro, teve em Olavo de Barros, um dos grandes incentivadores. Foi
quem ofereceu a Norka Shmit a chance de interpretar desde personagens de
ingênua e dama, até tipos característicos, como italiana e portuguesa. Norka
atuou com Paulo Grancindo e Rodolfo Mayer O sucesso alcançado pelos artistas
era enorme. Recebiam da imprensa um grande destaque. Caso da radioatriz Zezé
Fonseca que mereceu das revistas especializadas muitas páginas falando de sua
carreira e sua vida.
Zezé
Fonseca atuou em “Teatro de Revista” e foi cantora do “Programa Casé”. Sua
entrada para o Radioteatro aconteceu por acaso. Um dia foi à Nacional buscar
uma tabela de preços para vender anúncios. Celso Guimarães estava à procura de
uma atriz para o “Teatro em Casa” e ouvindo Zezé falar a convidou para um
teste. Em l938, passa a ser a estrela do programa, aos domingos. Nos dias úteis
se apresentava Ismênia dos Santos.
A
atriz Zezé Fonseca desempenhou no Rádio uma infinidade de papéis e mereceu da
imprensa um enorme destaque. Apesar do sucesso, Zezé teve morte trágica. Morreu
queimada, em l962, em seu apartamento em Copacabana, esquecida, onde vivia
cercada de cachorros e jornais velhos.
No
início da programação radiofônica, o humorismo tinha um espaço entre os números
musicais , cenas rápidas representadas entre os programas. Porém, as
manifestações eram esporádicas e não existia continuidade. Em São Paulo, Maria
Amélia estreou em 1939, após um teste na Bandeirantes. Em seguida trabalhou na
Piratininga e Record, onde formou com o marido, José Rubens, uma das duplas
cômicas mais populares. No Rio de Janeiro, um grande destaque era Ismênia dos
Santos que interpretava na Mayrink Veiga, o esquete “A gorda e o magro”.
Trabalhou com Paulo Gracindo, num quadro semanal da Nacional, ”Neguinho e
Juraci”.
Programas Femininos
O
público mais assíduo do Rádio era composto por mulheres. Na década de trinta
surgiram programas direcionados. De grande repercussão foi “A Voz da Beleza” da
PRA-3, Clube do Rio de Janeiro. No comando a locutora Léa Silva transforma o
Rádio em objeto de primeira necessidade para a mulher que queria ser elegante e
sedutora. Dava conselhos, tocava músicas e lia as cartas das ouvintes. A Rádio
Transmissora do Rio de Janeiro apresentava em l937, ”De Mulher para Mulher”,
comandado por Irma Gama. Promovia a troca de conhecimentos entre o público,
servindo de guia e conselheiro. Havia, também, uma preocupação com culinária,
literatura e orientação psicológica.
Um
nome sempre ligado à história do Rádio foi o de Ismênia dos Santos. Comandou o
“Programa das Damas” onde lia crônicas de Genolino Amado e ensinava fundamentos
sobre beleza, conseguindo muitas fãs. Outra locutora de destaque foi Ilka
Labarthe e entre seus programas mais conhecidos estava “A Hora Feminina”, da
Cruzeiro do Sul , do Rio de Janeiro. Recebia muitas cartas, e durante muito
tempo trocou correspondência com uma fã de 22 anos, paralítica, até tornarem-se
amigas. Formada pela Faculdade Nacional de Direito do Rio de Janeiro, Nena
Martinez, realizou programas para mulheres. Falava sobre todos os assuntos,
menos consulta sentimental, porque achava que ninguém tinha capacidade para
resolver os problemas alheios.
Mas
quem se destacou com esse tipo de programa foi Sagramor Scuvero. Iniciou sua
carreira em São Paulo. Depois, no Rio de Janeiro criou o “O Mundo Não Vale o
Seu Lar”, que a consagrou definitivamente como locutora. Era difícil encontrar
alguma mulher que não fosse sua ouvinte.
Poetisa,
escritora de livros infantis, Sagramor radiofonizou a vida de grandes
cientistas. Ela dividiu seu programa em quadros. “Para você mãezinha”, uma
audição com médicos respondendo a consultas de ouvintes, ”Cozinhando pelo
Rádio” transmitido diretamente da cozinha de uma ouvinte; o “Marcha Nupcial”
dedicado ao futuro lar e o “Clube das Noivas” que atendia solicitações de
modelos. Além de locutora e inovadora, foi considerada a maior improvisadora do
Rádio. Em l947 se candidatou a um cargo de vereadora e nesse pleito foram eleitos
dois radialistas: ela e Ari Barroso.
Infantil
Diversos
programas dedicados às crianças tornaram-se conhecidos e na maioria
apresentados por mulheres. Em l932, Mary Buarque organizou o “Pequenópolis”.
Ali participavam artistas precoces que cantavam músicas próprias e recitavam
versos de grandes poetas brasileiros. Um dos locutores era Moacyr Vaz
Guimarães, que tinha sete anos de idade. Era transmitido pela Rádio Cosmos. A
Cruzeiro do Sul, também de São Paulo, lançou em 2 de abril de l937, sob a direção
da professora Virgínia Rizzardi, a “Tia Justina”, um programa educativo, cujo
objetivo era a formação intelectual das crianças. Acontecia às l6 horas e tinha
música , anedotas, concursos e prêmios escolares. Em 3 de setembro de l937, os
Diários Associados, incorporaram também o Rádio. No dia seguinte à sua
inauguração, a emissora inclui em sua programação o “Tupi dos Garotos”. No
comando estava Silvia Autori, Tia Chiquinha, que já fazia sucesso com o
programa “Hora Infantil”. Em 1935, Silvia Autori apresentava programas
femininos mas ao trabalhar com crianças sentiu a oportunidade de fazer algo
útil. Sucesso em São Paulo e no Rio de Janeiro. Seu programa tinha um coral
infantil, e vários quadros: “Guri Repórter” e “Guri Ouvinte”. Em 1936, com 10
mil sobrinhos cadastrados, e entre eles estavam as cantoras: Marion e Marlene.
“Tia Lúcia” era um nome conhecido e amado pelas crianças cariocas. Esse título
não definia especificamente uma locutora e sim três. Marina de Pádua, Augusta
de Queiroz Oliveira e Ilka Labarthe encarnavam o tipo “tia” que contavam
histórias e davam aulas para as crianças. Ilka foi a mais famosa das “tias”.
Criadora do quadro “Tapete Mágico” levava crianças e, adultos a se imaginarem
viajando por diversos países, através de suas histórias.
Conhecida
como a “speaker número 01”, Ismênia dos Santos iniciou na Rádio Clube
interpretando esquetes. Durante sua carreira fez programas femininos, humor, e,
em 1936, tornou-se a “Vovó da Rádio Nacional” e deliciava a meninada com o
“Hora dos Garotos”.
Locutoras
No
início da programação radiofônica acreditava-se que o timbre de voz masculino
era melhor para o microfone. Porém, muitas mulheres se dedicaram a carreira de
locutora, com grande sucesso. É o caso de Wahita Brasil, da Cruzeiro do Sul.
Iniciando
a sua carreira como jornalista na cidade de Rio Claro, Lucia Helena foi uma
locutora especial. Seu nome de batismo era Izilda Rodrigues Alves, adotou o
pseudônimo porque a família se horrorizava ao ouvir seu nome verdadeiro nos
receptores. Em 1942, resolveu ir ao Rio de Janeiro e foi convidada a fazer
esquetes na Tupi. Leu diversos textos e na mesma noite apresentou o programa da
cantora Cristina Maristany. E em 1943 foi contratada pela Nacional. E lá
trabalhou como narradora, redatora, produtora e secretária de Victor Costa.
Escreveu vários programas: “Sala de Visitas”, Boa tarde, madame e “Rei da Voz“.
Atuou com Francisco Alves, gravou com ele a parte falada de sua última música.
“Canção Criança” e “Brasil de Amanhã”, com textos de sua autoria. Após a morte
do cantor se afastou do microfone por vários meses. A Nacional do Rio de
Janeiro apresentava o “Pátria Distante” com Maria Eduarda. A locutora era
portuguesa e afirmava ser o seu programa uma parte de Portugal no Brasil.
Conhecida
por sua atuação no cinema, teatro e televisão, Zezé Macedo trabalhou ao lado de
Silveira Lima no “Rádio Binóculo°, em Niterói. Depois, em São Paulo, tornou-se
locutora. Com sua volta ao Rio de janeiro, foi para a Tamoio participar no
“Campo Jornal Fluminense”. Também como locutoras atuaram: Angela Vargas,
criadora do primeiro concurso de declamações do País. Lucia de Magalhães,
locutora e diretora do programa “Universidade no Ar”. E também, Maria José
Fonseca Paiva, que atuava na PRE-8. Além de Nilza Magrassi, que entrou para o
Rádio como atriz da Cruzeiro do Sul e depois foi para Tupi, onde comandou, ao
lado de João de Freitas, o programa “Caravana de Ritmos”.
Conclusão
“De
passagem pelos estúdios” resgatou os nomes, de mais de 250 mulheres que
participaram dos primeiros vinte anos do Rádio. Durante todo o tempo da
pesquisa ouvíamos a frase “O Brasil não tem memória”. Cabe a nós,
pesquisadores, oferecer elementos para que nosso País tenha a sua história
documentada.
Em
determinado momento, as regras de conduta foram determinantes e muitas mulheres
apesar da coragem de atuar no Rádio desistiram da carreira, ao se casarem.
Poucas conseguiram o reconhecimento social. Muitas abandonaram o microfone,
morreram sozinhas, esquecidas. Suas vozes ficaram num texto qualquer de uma
velha revista e se perderam na memória dos estudantes de comunicação. Reunir
esse material, classificar, comparar, foi um trabalho cansativo e gratificante.
Um resgate histórico. Terminamos este estudo sabendo que o levantamento
realizado é apenas uma etapa, para início a futuros trabalhos. Não é uma
pesquisa ufanista sobre o Rádio e a mulher. É um retrato de um período, onde um
grande número de artistas valorizou a cultura brasileira. É necessário que
outros trabalhos aprofundem essa temática.
As
novelas, o humor, os programas infantis e femininos, o jornalismo e os grandes
musicais são paradigmas históricos. O desejo de Roquete Pinto não foi em vão.
Os artistas do Rádio provaram, que o sonho de transmitir emoções foi
conquistado. É fundamental resgatar a dignidade priorizando a cultura do povo.
A história desses pioneiros deve servir de incentivo e estímulo para o
crescimento.
O
Rádio e seus artistas provaram, ao longo dos anos, que o sonho de transmitir
emoções foi conquistado. E um País só poderá ser realmente digno quando souber
valorizar seus filhos, resgatando a dignidade do ser humano, e se importar,
realmente, com a cultura de seu povo. Que a história de nossos artistas sirva
de incentivo e estímulo para o nosso crescimento.
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Rádio Paulista, de 1927 a 1928, São Paulo.
Revista
Radiolândia, 1954 a 1958, Rio de Janeiro.
Revista
Rezenha Musical, setembro, 1938 a janeiro de 1941, Araraquara, SP.
Revista
Walkyrias, agosto de 1934 a dezembro de 1943, Rio de Janeiro.
Jornal
Brasil Feminino, 1932; 1933; 1935; Rio de Janeiro.
Jornal da Tarde, Suplemento Especial “Elas por Ela”, São Paulo, 10.06.1989.
Cadernos
Intercom, ano I, nºs 01, 02 e 03, 1982. Coord. Carlos Eduardo Lins da Silva,
São Paulo, Cortez.
Cadernos
Intercom, ano IV, nº 08, 1984. Coord. Maria Salet T. Santos, Cortez.