VOTO DO SILÊNCIO
Fábio
Mário Iorio
Bacharel em Cinema e Jornalismo - UFF
Mestre em Comunicação Social - UFRJ
Doutorando em Ciência da Literatura - UFRJ
Coordenador do Curso de Comunicação Social da UNAM
Professor- titular em Teoria da Comunicação da
UNAM, UNESA, USC e FAFIC.BIBLIOGRAFIA
Resumo: A problemática apresentada pelo trabalho estabelece uma relação entre o lugar atual do poder na sociedade brasileira, cujo modelo político republicano adota a prática democrática do sufrágio universal e o território central da mídia nas relações sociais e culturais dominantes, que com sua estratégia garante a hegemonia da classe burguesa.
O trabalho percorre a trilogia do processo eleitoral brasileiro contemporâneo, relacionando a legislação casuística, o marketing político e a ação da mídia, culminando na urna computadorizada o conjunto denominado palanque eletrônico.
A eleição de 2000 no Brasil é a pioneira no mundo com o computador e seu resultado já faz parte de todo trabalho do palanque eletrônico para a eleição deste ano de 2002, quando serão eleitos Presidente, Governadores, Deputados e Senadores, de todo o país, cuja a análise histórica requer a revisão da redemocratização nacional, conforme nossa abordagem. O intelectual tem um papel fundamental na leitura deste fenômeno, para garantir um lugar nesse processo histórico, considerando que cada vez mais fica diante do desemprego, dos fantasmas éticos e da crise de suas utopias.
Nunca
esteve tão óbvio o papel do mesmo1
como moeda de troca informacional, ainda mais com sua atual dimensão
globalizada. O intelectual também participa desse circuito imediatista,
reproduzindo a pedagogia receptiva de massa2 como forma de pagamento de uma carreira de especialista, cuja dívida
foi contraída pelo fácil crédito da época, que prima pelo culto do mercado e
prevê o juros do empréstimo no lastro da crítica.
As
perdas referenciais crescem com o investimento da pós-modernidade3, acentuando a cada dia o impasse da crítica, que se desloca do olhar
frontal da realidade4, em busca da adesão aos
novos diagramas epocais.
As
preocupações com os parâmetros demográficos dos setores mercantis e das
aferições de opinião pública representam o suporte da estratégia de mídia, pois
na direção desse universo, enunciam-se as mudanças cotidianas dos significados.
São os ciclos modistas, que têm como novo apenas o credo do fim da repressão,
uma crença assentada no controle do imaginário5, antecipando a lógica de exclusão do futuro próximo na hipótese da
liberdade de hoje.
O
argumento teórico, tentando se adequar, age em concordância ao contexto,
sitiando a reflexão e a ética nos muros do povoamento de uma cultura, que se
edifica na construção hedonista. Não lhe faltam monumentos6, a grandiosidade moderna vem do ovo da serpente6, que não se restringe à precocidade nazi-fascista, basta
atentar para o lugar da agenda da mídia na sociedade do espetáculo7, cujo modelo sustenta as regiões nucleares da democracia liberal. Tal
agendamento se constrói com a manipulação dos dados em mapas estatísticos,
denominados de infografias, indicando os desempenhos eficazes e estendendo ao
máximo a visibilidade das diretrizes mercadológicas e da unidimensinalidade dos
padrões culturais.
1Por
outro lado, a reconstituição do passado remoto, distanciado pelo esquecimento,
permite uma aproximação mais particular no manuseio dos registros, que se
tornaram documentos e fontes. Ao contrário, as escrituras recentes com seus
reguladores e filtros estão protegidas pela impregnação da consciência
coletiva, restando como memória o espaço histórico do desejo8, onde o que se esquece é para lembrar, fazendo sua interpretação.
As
formações discursivas9 devem ser consideradas em
seus aspectos dispersos e descontínuos, segundo as combinações e conexões de
elementos e práticas, nas quais se estabelecem as epístemes, articulando-se
também o social e o cultural, sobredeterminadamente.
A
tática denegatória dos ideólogos modernos foi iniciada na constituição das
utopias que propiciaram as justificativas sociais da Burguesia,enfraquecendo a
Igreja Católica, na Europa Ocidental, entre os séculos XVI a XVII, com a
Reforma. As conquistas oceânicas européias da fase de acumulação primitiva do
Capital estenderam um mar paradisíaco de ilhas solitárias do racionalismo10, traçando a rota do novo mundo América. Mais tarde,
as novas bandeiras humanistas propuseram os mega-relatos da razão das luzes e
dos tratados científicos, chegando em dois mundos totalizantes, cujo os
personagens principais seriam a burguesia e o proletariado com o apogeu e a queda
da supremacia capitalista. As revoluções entraram em desacordo com as utopias,
mas hoje nada garante o término desse processo, somente acreditam no fim os performáticos11, que colonizam a fé cosmopolita da navegação
planetária instantânea, onde o sacerdócio e o negócio estão presentes na mesma
ação: a indústria cultural 12.
Os
valores acordados pelo pacto coletivo da Nova Ordem, realizam no templo o ritual de um sistema de crença, em
que a mensagem destina-se à fidelização dos crédulos, assim como se inserem em
práticas discursivas, que materializam para o enredo social as relações de
produção dominantes, incluindo o conhecimento.
O
caos atual dessa dinâmica produtora de multiplicidades discursivas, desautoriza
o intelectual orgânico13 precipitar-se em definir e
classificar o movimento de transformação, sem que antes desconfie da imensa
compreensão dos fatos, envidraçados pelo noticiário.
Os
fatos representam a versão oficial da historiografia, que narra os vencedores,
hoje produzidos na notícia, por sua anterioridade como mercadoria e por sua
circulação abrangente em todos os campos e hábitos sociais14, dando origem a unidade,em que se rege a ideologia dominante.
Os
feitos escondem-se na história, narrando os vencidos enquanto versão marginal e
desideologizando a notícia, porta-voz da realidade vigente. Diante do
acontecido só é possível dizer a metáfora dos feitos no interior dessa lacuna,
onde se situa o oprimido.
È
preocupante ter nesse instante a configuração do cientista político na
demarcação de uma sabedoria específica, comprometida com avaliação da pesquisa
de intenções de voto realizadas por institutos que atendem encomendas da mídia,
do governo, dos partidos e candidatos e das corporações de classes, sublinhando
ainda que a maioria desses institutos é entidade-empresa, tendo poucas
organizações acadêmicas, mas que não se diferem em métodos.
Esse
cientista político ganha clarividência diante dos holofotes que iluminam sua
atuação no roteiro midiático: a presença técnica nos debates, entrevistas e
comentários, o testemunho legitimador da imparcialidade jornalística, as
publicações direcionadas pelo marketing editorial, a constante disponibilidade
para a apuração e a participação indiscriminada na rotina cotidiana da
programação do entretenimento, sendo aí inclusas as cenas emocionantes dos
relatos biográficos.
O
preço do sucesso está na velocidade da informação, construindo a imagem do
protagonista contemporâneo. Se a aceleração da informação pede o sinal
ininterrupto do feed-back, impossibilitando o tempo lógico15, sobra para o mercado a estimativa do valor
cronológico.
Somando
a isso, a pesquisa documental atribui cada vez mais importância no produto
noticioso, respaldando assim o privilégio da auto-referencialidade existente nos
departamentos de pesquisa jornalística. Esse acervo amplia-se com os ricos
depoimentos situacionistas em variados assuntos, recolhidos nas abordagens das personalidades
atraentes16, configurando o novo mito e
a nova intelectualidade moral.
A
ficção diária da notícia alimenta o sintagma da estrutura, atualizando seus
fatos e permitindo no sol da sincronia o consenso. Reveste de concretude a
barreira da significação, motivando a arbitrariedade da cadeia significante em
séries discursivas.
Tais
conceitos sociais difundidos, localizam-se em segmentos, que se distribuem em
diversas camadas fragmentadas, que indicam minorias, sem que com isso obstruam
as concentrações ideológicas.
O
crescimento dos guetos e das mobilizações racistas, reafirmam o contínuo aproveitamento
do material conceitual. Em qualquer iniciativa da indústria cultural, o
princípio mercantil da informação rege a região ideológica, sem limitar a
incorporação desses estratos, já que a função da ideologia dominante está em
por a fala da classe dominante na lógica do Capital, codificada pelo fetichismo
da mercadoria17.
O
que se apresenta hoje como pauta da cidadania se administra com
regularidade nos planos de marketing, que definem o ordenamento do que é necessário18 em cada cenário ambiental. A melhor leitura
antropológica do consumo, funda-se no estudo das identificações19, que se realizam na comunicação persuasiva antes da
tomada de decisão, estruturação simular ao interativo modelo do script Você
decide!
Os
pleitos de tradição democrática são considerados o encontro da lei e da justiça
no poder, que circunda entre os seus habitantes como forma de governo.Indagar
quantos e quem, esclarece o regime, mas não revela o sustento.
Até
mesmo nas sociedades tidas como as mais democráticas, partidos afastam-se de
seus ideários em nome do pragmatismo e quando hoje se declara o fim do populismo
e se insiste em apenas associar o totalitarismo com a ditadura,
novamente se camufla o segredo democrático da burguesia.
Nada
é mais populista do que o marketing eleitoral e seu monumentalismo assemelha-se
a propaganda política totalitária, que estetizou o poder. As denominadas novas
seitas compensatórias, as que mais se expandem, também concordam em ressuscitar
o exorcismo fanático e o confisco de bens dos pecadores.
No
Rio de Janeiro, considerada a capital cultural, uma das propostas que ecoa nas
camadas sociais privilegiadas, é trazer o Exército para a rua e fazê-lo subir
as favelas em combate ao banditismo urbano. Em torno da mesma questão, aparecem
candidatos que tem na arma do voto a apologia da polícia política.
O
genocídio coletivo hoje se multiplica com as guerras localizadas, que os
aliados dos países centrais planejam e as retratam na cobertura espetacular da
televisão em audiência mundial, provocando inveja ao cinema-bilheteria20, registrando-as nas agências de notícias como
libertárias.
Nas
favelas cariocas, os pelotões infanto-juvenis são dizimados cotidianamente,
recebendo a mesma omissão da opinião pública, como os casos no exterior
amaldiçoado.
Nas
formas míticas a violência cultural corporifica-se, propiciando as
manifestações das expectativas agressivas que habitam a alma. Hoje é a mídia
quem institui esse reconhecimento, vivenciado no drama social, dando o limite
do perigoso. Produz como cúmplice as tramas criminosas, cujo seu único delito é
a banalização da morte.
O
aparecimento do movimento pacifista não conseguiu reduzir a expansão industrial
bélica, mas fomentou inúmeras denúncias e também viu se aproximar o consumo das
drogas, como se lado a lado andassem mais seguros. A crescente indústria do
entretenimento encontra a arma poderosa da informação, estabelece o rigor
esquemático da diversão, tornando o consumo narcotizante.
A
ciência moderna experimenta saltos quantitativos, quando relacionada aos interesses
pragmáticos. A higienização étnica e social exemplifica as vantagens políticas
e econômicas dos serviços da engenharia genética. A tecnologia avança na mesma
direção, correndo paralela ao distanciamento cultural e social dos excluídos.
Os
intelectuais de ontem perderam espaço diante de suas omissões para com a
incoerência das práticas sociais que preconizaram. Foram acusados também de
praticar tais condutas, já que encabeçaram o processo revolucionário. Nem o
sentido do sofrimento heróico de alguns, resultante dos assassinatos culturais,
que eliminam o espaço simbólico da sociedade, reforçam suas aspirações. Hoje os
especialistas detêm a aprovação de seus atos, que se inscrevem nas relações de
produção dominantes, contribuindo com propostas e idealizações sistêmicas, sem
evitar a mesma inadequação.
A
decadência moderna acompanhou a crise humanista, impondo o apagamento dessas
questões centrais na convivência social, cujo impacto da explosão da miséria e
do isolamento da elitização minimiza-se por um debate mais específico, voltado
para as diferenças do pluralismo: o deserto do indivíduo.
As
operações mãos limpas estão nas manchetes há muito tempo, desde o início da
imprensa e da democracia moderna, sedimentando a plataforma moralista dos
monarquistas e dos republicanos.
No
Brasil republicano, quem melhor reuniu a doutrina foi a UDN e quem mais soube
devassá-la em seus textos foi Nelson Rodrigues, trazendo para si o repúdio dos
ideólogos, quando se assumiu um reacionário cordial21. O que perfila no bom moço é o ícone da honestidade,
uma analogia bastante favorável a nossa sociedade dos simulacros.
Nas
últimas duas décadas o brasileiro retornou as eleições democráticas, quando se
alterou a política de intervenção norte-americana na América Latina, instaurada
nos anos 60 com as ditaduras militares em cada país, que se aliaram na
contra-informação e na perseguição das resistências e lideranças políticas. O
retorno democrático latino-americano propiciado pela nova conjuntura
internacional, trouxe uma abertura política planejada, concedendo a anistia e a
reformulação partidária com distensão relativa, até a chegada de um outro
palanque.
Chama-se
palanque eletrônico e resulta de uma trilogia composta da mídia,
do marketing e do sistema eleitoral recente. Suas bases surgiram nas lições
tiradas na introdução da cultura de massa, quando a propaganda política e o
culto da personalidade autoritária elegiam os ditadores. Já com a hegemonia
cultural da mídia, renova-se a democracia ocidental e derrubam-se os muros de Berlim
e suas cercanias comunistas.
Seu
apelo incessante à espetacularização do voto, invade o espaço público pelo ato
comunicativo, afastando as aglomerações dos comícios, a preocupação doutrinária
do confronto ideológico e a mobilização partidária das militâncias.
No
palanque brasileiro houve um atraso, desfechando-se na eleição presidencial
direta de l989. Sua primeira particularidade vem do sistema das leis e a
justiça eleitorais, permitindo nessa transição o casuísmo e a lenta renovação
das regras. O sistema comunicacional impulsionado no regime militar
caracteriza-se pelo monopólio de redes nacionais, cuja concentração vertical e
horizontal de veículos e de empresas do setor, conjugam-se ainda com a
integração empresarial e a oligopolização crescente da economia mundial e
local, facilitando a verdadeira posição da mídia no exercício político.
Os
Institutos de Pesquisas afloraram no novo mecanismo eleitoral, frutificando os
dados do noticiário, com a discussão de temas e personagens e que se incluem
nos produtos culturais da grade de programação da mídia eletrônica. Sua
propagação imediata nos intérpretes da opinião pública aprofundam a abrangência
institucional, fechando o círculo da composição dos signos políticos, ao mesmo
tempo em que se formulam e se executam o marketing, as campanhas e o jogo de
adesões e apoios de patrocinadores.
O
processo completou-se com as recentes urnas computadorizadas, implantadas com
rapidez em todos os municípios, representando muito mais que uma outra
inovação. Só os ingênuos, os oportunistas e os de má fé não enxergam os riscos
da nova operação, que o caso brasileiro se utiliza como diferencial, ao ser
único entre os países a empregá-las de forma genérica, embora estando bastante
acostumado com as acusações de fraudes do esquema anterior.
A
questão não se prende ao uso do computador agilizando a votação e a
configuração do resultado e sim ao ousado processo, patrocinado pelos EUA
(pioneiro na aplicação mas com várias restrições e garantias), que impede
qualquer comprovante aos eleitores, candidatos e partidos, encontrando como
garantias a credibilidade dos tribunais eleitorais e a lisura da Agência de
Informação do governo federal.
A
experiência começou nas principais cidades brasileiras em 1996. Nas eleições
dos dias 01 e 29 de outubro de 2000, as votações computadorizadas ocorreram sem
nenhuma exceção dos 5559 municípios, pela primeira vez no país. Além de
demonstrar uma rápida assimilação do eleitor, reduziu um pouco o elevado índice
de abstenções, com o aumento de 62 para 71 milhões de voto válidos, o que põe
em suspensão o cadastramento eleitoral de 1986.
Os
resultados ainda estão sendo traduzidos. Partidos, candidatos, governantes,
cientistas políticos, jornalistas buscam visualizar a geografia do voto,
contabilizando as vitórias e as densidades eleitorais. Parecem birutas, que
apressadamente apontam para o rumo do vento, descrevendo os fatores do clima
nas urnas.
Os
números provocam diagnósticos, que se encadeam com os prognósticos e mais a
frente suportam o cenário, onde os argumentos sobem no palanque.
Eles
indicaram a ascensão da oposição nas maiores cidades brasileiras, vencendo 12
capitais contra 14 (4 do PSDB, 4 do PMDB, 3 do PFL e 1 do PPB, PL e PTB) e
vários municípios acima de 200 e 300 mil eleitores.
O
PT foi o mais vitorioso, conquistando 6 capitais (Porto Alegre, São Paulo,
Recife, Aracaju, Goiânia e Belém) e as principais cidades de São Paulo e da
região do sul, atingindo 14,3% dos votos válidos (187 prefeitos), sendo apenas
superado pelo PSDB -15,2% (990 prefeitos), PMDB -15,6% (1257) e PFL -15,8%
(1058).
O
PPS teve o maior crescimento (384%), elegendo 166 prefeitos (antes tinha apenas
33). O PSB manteve-se em ascensão na votação geral (de 3,1% para 4,4%) e uma
pequeno declínio no número de prefeituras (de 150 para 133), destacando-se com
4 capitais – Belo Horizonte, Maceió, João Pessoa e Natal e na condução de 13
prefeitas (no total de 317), superando nesse aspecto os seus aliados. Até o PC
do B conquistou 1 cidade importante – Olinda.
O
PDT ainda contém o maior número de prefeituras da oposição, desde a sua origem
(saindo de 435 para 288, sendo 2 capitais – São Luiz e Porto Velho), mas como o
PMDB e o PPB decaiu em votos válidos (de 9,1% para 6,6%), fragmentando-se em
seus redutos – Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, diante das lutas internas.
Especulam
os analistas de uma futura polarização ideológica nas próximas eleições de
2002, considerando o desgaste dos partidos de sustentação do governo federal e
o crescimento da oposição, principalmente da onda vermelha petista. Fizeram a
previsão da reestruturação partidária,mas o Congresso Nacional trouxe como novo
texto a restrição da densidade eleitoral, as substituições de novas forças e
lideranças, em detrimento das antigas linhas e tendências político-partidárias
ocorrem pelo suporte moralista de perfil bem comportado. Esperaram por uma
reforma eleitoral, incluindo o controle da informatização da urna,ficaram
diante do teste de apenas 5% de votos digitados. As mudanças na política social
da União também não foram feitas, dividindo a base aliada de Fernando Henrique
Cardoso
Os
mais entusiasmados com a estatística, tentam demonstrar a indefinição do quadro
político, que de um lado o PT continua sem dimensão nacional, com a ausência em
5 Estados – Amazonas, Amapá, Roraima, Alagoas e Espírito Santo, mesmo
apresentando 1316 candidatos majoritários, dos quais somente 12,99% se
elegeram, mas para governar 27,8 milhões de habitantes.
Do
outro lado estão os partidos aliados do poder central necessitando de uma maior
expressividade metropolitana, mesmo mantendo a enorme supremacia municipal e a
maioria dos votos válidos.
As
especulações dos números visam quantificar no quadro observações e análises
sobre quedas e ascensões, lançamentos e ressurgimentos, rompimentos, golpes,
alianças, manobras e etc. Isso se reproduz com as pesquisas eleitorais,em que
2001 deu plena supremacia à candidatura de Lula pelo PT, o que já se modifica
no início de 2002 com a ascensão de outras candidaturas de Roseana Sarney pelo
PFL e Anthony Garotinho pelo PSB.
Com
um sucinto relato pode-se recapitular os resultados dessa reabertura
democrática, que escapam a uma aposta fundamentada na argumentação midiatizada
e compõe como novo ambiente a discussão estratégica na mídia.
Em
1982, retornam as eleições diretas estaduais e alguns anistiados chegaram ao
poder, destacando-se Leonel Brizola mesmo ameaçado pelo caso da Proconsult. Em
1984 derrubaram no Congresso Nacional as diretas já para Presidente e Ulisses
Guimarães não convocou o pleito, quando a morte de Tancredo Neves (eleito
indiretamente nesse ano) impediu sua posse. Depois da legitimação presidencial
de José Sarney, em 1986 PMDB decreta o plano cruzado e totaliza 22
governadores. Só em 1988 surgiu uma híbrida constituinte, contudo foram
vitoriosas as primeiras prefeituras de oposição em capitais.
Em
1989 realizou-se a primeira eleição direta presidencial, aclamando a aventura
collorida da Rede Globo, sem imaginar um rápido arrependimento, que mobilizou a
inédita cassação em l992. As eleições estaduais de 1990 tiveram o revide do PDT
no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro vê no impeachment de Collor o exílio
interno. Lula que antes destacava-se nas manchetes do período militar por sua
liderança sindical e após atingir inesperadamente o segundo turno contra
Fernando Collor de Mello foi derrotado, coloca-se a partir de 1992 na frente
das pesquisas eleitorais, ficando dois anos na liderança. Um plano real
amadurece surpreendendo com Fernando Henrique Cardoso (senador suplente de
Franco Montoro e ministro econômico de Itamar Franco) já no primeiro turno.
O
modelo neoliberal alojou-se de vez e raríssimas cidades se puseram em confronto
na escolha de 1996. Mais um lance consecutivo em 1998, a reeleição no Brasil
foi aprovada para Fernando Henrique Cardoso, porém nas escolhas estaduais da
mesma data, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro resistiram mais uma vez, com a
nova união das esquerdas.
Nossa
maior pretensão é provocar o contraponto das concepções inseridas no corpo
dessas notícias dos últimos pleitos, abrindo trilhas a serem percorridas na
tradução desses textos, bastantes difundidos e desdobrados no cotidiano das
leituras e evitando a prisão da crítica no exílio da maioria silenciosa22.
Haverá
sempre o intelectual afetado pelas provocações, que apelam sobre a urgência da
crítica,independente no território político do contexto. O que ele perseguirá
nos restos significantes, será o rastro do tempo, onde emerge o sintoma
coletivo, que abriga o que há de mais secreto na ação discursiva do sujeito,
cujo voto do silêncio significa a história.
Referências
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Notas
1 Séries discursivas que se reúnem na unidade de uma epísteme.
2 Penetração e abrangência ilimitada com uniformização repertorial.
3 Modernidade Baixa ou Tardia, a partir dos anos 50.
4 Precariedade dos valores culturais, mas que serve de princípio regulador do pensamento.
5 A repressão está no imaginário enquanto liame social.
6 Procedimento da civilização ocidental que privilegia a exibição grandiloquente de suas conquistas.
7 Transformação da cultura em espetáculo, regulando todos os discursos sociais pela via da estetização e do entretenimento.
8 Lugar inconsciente em que se estrutura a representação da falta.
9 Conjunto de conceitos, objetos, enunciados, sujeitos e estratégias.
10 Retorno da supremacia da razão a partir do humanismo italiano e renascimento europeu, através da base logocêntrica do clássico.
11 Adeptos dos diagramas pós-modernos que apostam nos efeitos do desempenho.
12 Sistema de comunicação de massa no capitalismo oligopolista.
13 Porta-voz ideológico da classe trabalhadora na leitura e da transformação do processo social.
14 Ação do agente nas relações sociais objetivas com suas disposições duráveis e transponíveis.
15 Relação transferencial com o outro produzindo a assertiva subjetiva da certeza antecipada, que se divide em precipitação, tempo de compreender e momento de concluir.
16 Personalidades que se inserem no showbusiness, tornando-se vozes autorizadas de todos os temas sintagmáticos.
17 O culto da mercadoria como sustentação da lógica do capital, articulando o econômico com o ideológico na re-produção do sistema.
18 É o valor material de consistência da realidade.
19 Relações simbólicas da formação da consciência.
20 Modelo norte-americano de cinema-espetáculo, destacando a superprodução e os efeitos especiais.
21 O reconhecimento do conservadorismo como traço do discurso ideológico.
22 Participação das massas na sociedade contemporânea, através da gratificação social simulada pela mídia.